segunda-feira, 30 de junho de 2014

OS INSTANTES SUPERIORES DA ALMA

 
 
 
 

 
 
 
Os Instantes Superiores da Alma

 

Os instantes Superiores da Alma
Acontecem-lhe - na solidão -
Quando o amigo - e a ocasião Terrena
Se retiram para muito longe -

Ou quando - Ela Própria - subiu
A um plano tão alto
Para Reconhecer menos
Do que a sua Omnipotência -

Essa Abolição Mortal
É rara - mas tão bela
Como Aparição - sujeita
A um Ar Absoluto -

Revelação da Eternidade
Aos seus favoritos - bem poucos -
A Gigantesca substância
Da Imortalidade




Emily Dickinson, (1830-1886) poetisa americana, in "Poemas e Cartas"
Tradução: Nuno Júdice

Imagem: Tela do pintor Feng Yiming, nascido em 1965, na provincia de Hebel, China.


domingo, 29 de junho de 2014

UM SONHO

 
 
 
 

 
 
                               Um sonho

Em sonho me disse o lavrador; “Faze teu pão.
Não contes mais comigo, cava a terra e semeia”.
Disse-me o tecelão: “Tua roupa, faze tu mesmo”.
E me disse o pedreiro: “Pega a colher de mão”.

Sozinho, abandonado por todo o gênero humano,
Cujo implacável anátema por toda a parte arrastava,
Ao suplicar aos céus pela piedade humana,
Diante do meu caminho leões, atentos, encontrei.

Os olhos abri, não crendo que fosse real a aurora.
Valentes operários de construção, em suas escadas, assobiavam.

A felicidade conheci, e mais, no mundo onde vivemos
Ninguém se pode gabar de ser melhor do que outrem.
Daquele dia em diante, a todos passei a amar.


Sully Prudhomme (1839-1907)poeta francês
Tradução: Cunha e Silva Filho
Imagem: quadro de José de Ribera (1591-1652), pintor barroco espanhol.

sábado, 28 de junho de 2014

AGATHA CHRISTIE

 
 
 

 
Agatha Christie (1890-1976) nasceu no Reino Unido.

Filha de pai americano e de mãe inglesa, passou a infância em Devonshire, que serviu de cenário a muitos dos seus livros.

Escreveu empolgantes ficções policiais, criando personagens, tais como o detective belga Hercule Poirot, o superintendente Battle, Ariadne Oliver, Miss Marple. Parker Pyne, Tommy e Tuppence.

Usava um estilo sóbrio e simples, evidenciando um profundo conhecimento da psicologia do comportamento.

A sua obra, mais de oitenta livros, permanecerá no património cultural internacional, na qual se pode analisar o retrato de uma época.

Alguns dos seus romances: O Assassinato de Roger Ackroyd, O Estranho Caso da Velha Curiosa, O Destino Desconhecido, O Caso dos Dez Negrinhos, Cai o Pano, Um Crime no Expresso do Oriente.

A peça teatral A Ratoeira foi representada em mais de 25 países.

Até hoje, é a romancista policial mais brilhante e criativa, tendo vendido mais de dois biliões de livros em todo o mundo.

Ficou conhecida como a “Rainha do Crime”, “Duquesa da Morte”, entre outros títulos.
 
 
Palavras de Agatha Christie:
“Eu gosto de viver. Já me senti ferozmente, desesperadamente, agudamente feliz, dilacerada pelo sofrimento, mas através de tudo ainda sei, com absoluta certeza, que estar viva é sensacional.”
 
Excerto da peça teatral  A Ratoeira:
 
Fazia muito frio. O céu estava escuro e pesado, descarregando neve.
Um homem de sobretudo escuro, com o cachecol rodeando-lhe o rosto e o chapéu baixado sobre os olhos, desceu ao longo da Culver Street e subiu os degraus do número 74. Premiu com um dedo a campainha da porta e ouvi-a retinir na cave.
Mrs. Casey, atarefada, com as mãos dentro do tanque de lavar a roupa, gritou azedamente:
- Maldita campainha! Não há meio de ter sossego!
Arfando ligeiramente co asma, arrastou-se pelas escadas acima e abriu a porta.
O homem que se achava, em contraluz, recortando-se na entrada, perguntou, num sussurro:
- Mrs. Lyon?
- Segundo andar – indicou Mrs. Casey. – Pode subir. Ela está à sua espera?
O recém-chegado acenou afirmativamente com a cabeça, num movimento lento.
- Muito bem – consentiu ela. – Suba e bata-lhe à porta.
Observou-o, enquanto ele subia as escadas atapetadas. Mais tarde, diria a seu respeito:
- «Causou-me uma estranha impressão!»
Porém, naquele momento, apenas pensara que o sujeito devia estar com uma tremenda constipação, a fungar daquela maneira, e a verdade é que o tempo estava para isso.
Quando o homem atingiu o patamar do segundo piso, começou a assobiar baixinho. O tom musical era o da canção «Três Ratos Cegos». (…)
 
 
Agatha Christie, in “A Ratoeira”
 
 
 
 
 

 

 
 

sexta-feira, 27 de junho de 2014

OS CARACÓIS E AS CARPAS TÊM CORNOS

 
 


 
 
Os caracóis e as carpas têm cornos 
 
 
os caracóis e as carpas têm cornos
vês, eu não te dizia?
as carpas e os caracóis não têm cornos
vês, eu não te dizia?
as caracoias e os carpos têm cornos
vês, eu não te dizia?
os carapoicos e os parcos não têm cornos
vês, eu não te dizia?
as carapaias e os porcos têm cornos
vês, eu não te dizia?
os caracoicos e as parras não têm cornos
vês, eu não te dizia?
as carassaias e os parcas têm cornos
vês, eu não te dizia?
os caracorpos e as praias não têm cornos
vês, eu não te dizia?
as caracaias e os poicos têm
vês
 

Ana Hatherly, inUm Calculador de Improbabilidades”

 

 

 

quinta-feira, 26 de junho de 2014

YOSA BUSON

 



Yosa Buson (1716-1783) nasceu perto de Osaka, no Japão.
Pintor, poeta e calígrafo, foi um dos quatro mestres do Haiku
japonês, a par de Matsuo Bashô, Kobayashi Issa e Masaoka Shiki.
O poema Haicu tem três linhas paralelas, contendo na primeira e na última linha cinco caracteres japoneses (totalizando cinco sílabas), e na segunda linha (sete sílabas). Usualmente, existe uma pintura a acompanhar o Haiku.
Em 1777, publicou o livro Nova Colheita de Flores.
Escreveu mais de dois mil Haikus.
Yosa Buson foi considerado um poeta brilhante, distinto e perfeccionista quanto à forma e ao ritmo utilizados nos seus poemas imortais.
 
 
Palavras de Yosa Buson:
“Entardecer outonal. A solidão também é bem-estar.”


 
Alguns Haikus de Yosa Buson:


Acender uma vela
com outra vela;
Uma noite de primavera.


Lavrar o campo:
A nuvem que não se moveu
se foi. 
 
 
O mar de primavera:
durante todo o dia
ondulante, ondulante. 
 
De manhã cedo geada -
A partir dos bordéis de Muro,
o cheiro de sopa quente. 
 
Durante a tela de ouro
de quem seda gaze vestido?
O vento de outono. 
 
Chegado para ver as flores,
sobre elas dormirei
sem sentir o tempo
 
Yosa Buson
 



quarta-feira, 25 de junho de 2014

HOMENAGEM A CESÁRIO VERDE

 
 
 

   
      Homenagem a Cesário Verde 

 

Aos pés do burro que olhava para o mar
depois do bolo-rei comeram-se sardinhas
com as sardinhas um pouco de goiabada
e depois do pudim, para um último cigarro
um feijão branco em sangue e rolas cozidas


Pouco depois cada qual procurou
com cada um o poente que convinha.
Chegou a noite e foram todos para casa ler Cesário Verde
que ainda há passeios ainda há poetas cá no país!

 

Mário Cesariny, in ”Pena Capital”
Imagem: pintura de Van Gogh

 

terça-feira, 24 de junho de 2014

A VITALIDADE DE UMA NAÇÃO

 
 
 

 
 
 A Vitalidade de uma Nação

 

 Uma nação vive, prospera, é respeitada, não pelo seu corpo diplomático, não pelo seu aparato de secretarias, não pelas recepções oficiais, não pelos banquetes cerimoniosos de camarilhas: isto nada vale, nada constrói, nada sustenta; isto faz reduzir as comendas e assoalhar o pano das fardas - mais nada.
Uma nação vale pelos seus sábios, pelas suas escolas, pelos seus génios, pela sua literatura, pelos seus exploradores científicos, pelos seus artistas.
Hoje, a superioridade é de quem mais pensa; antigamente era de quem mais podia: ensaiavam-se então os músculos como já se ensaiam as ideias.

 

Eça de Queirós, in “Distrito de Évora”

 

segunda-feira, 23 de junho de 2014

SÃO JOÃO

 




São João
 
 
 
Além vem o barco novo,
Que fizeram os pastores,
Trazem dentro S. João,
Todo coberto de flores.
 
Para fazer as fogueiras
Na noite da sua festa,
S. João traz lá do monte
Um braçado de giestas.
 
Ai! meu rico S. João,
Ouve as trovas dos festeiros
Faz as moças bem doidas
E os velhos bem gaiteiros.
 
S. João, quando era novo,
Tinha uns sapatinhos brancos,
Pra visitar as raparigas
Domingos e dias santos.
 


Cancioneiro Popular: recolha de Jaime Cortesão

domingo, 22 de junho de 2014

PRÉMIO CAMÕES - 2000

 
 

Autran Dourado (1926-2012) nasceu em Patos, Minas Gerais, Brasil.

Foi galardoado com o “Prémio Camões”, em 2000. Recebeu-o no Rio de Janeiro.

O Prémio foi atribuído pelo conjunto da sua obra, mais de vinte livros, nas áreas do romance, conto, ensaio e memórias.

 
 Palavras de Autran Dourado:

“O escritor nunca está sozinho; atrás dele estão todos os outros grandes escritores. Quando Você pensa que está fazendo uma coisa muito nova, vai ver os gregos já fizeram – e até melhor.”

 
 
Excerto de um texto publicado em “Os melhores contos”:

 (…) A segunda categoria, os marceneiros da nobre arte. Era exatamente aquela, sem metáfora ou imagem, de que falou o sábio e intemporal rifoneiro Donga Novais - os que literalmente enfeitavam cabo de colher de pau. Às vezes se dava o caso de que a colher ficava tão bem-feitinha e artística, com delicado e sutil rendilhado, labiríntica barafunda, de quase absoluta nenhuma serventia, que a peça passava de mão em mão por toda a parentela, vizinhos e mesmo estranhos. Os elogios que recebiam valiam por uma paga ao artista, que acabava por consentir (queriam) que a mulher ou a filha colocasse a colher na parede, para nunca ser usada.”



Autran Dourado

sábado, 21 de junho de 2014

O BANHO DAS NINFAS

 


 
 
O Banho das Ninfas

 

Num canto da floresta escura e densa
por sobre a fonte curva-se um loureiro.
Nua, à ramada a Oréade suspensa sobre
a água dependura o corpo inteiro.

  Ao banho, as ninfas; rápido e ligeiro!
E ei-las, as manchas de brancura intensa
dos corpos nus, levípedes; e o cheiro
que a nuvem de ouro do cabelo incensa!...

  Lançam-se a nado as deusas em peleja
mas, súbito, rompendo os negros flancos
o bosque, o olhar de um Sátiro flameja...

E, nuas, elas sobem aos barrancos...
Tal à vista de um corvo que fareja
debanda a multidão dos cisnes brancos!

 



José María de Heredia (1842-1905) poeta de origem cubana, naturalizado francês.
Tradução: João Ribeiro
Ilustração: tela do pintor dinamarquês Christoffer Wilhelm Eckersberg (1783-1853)
 




 

 

 

sexta-feira, 20 de junho de 2014

EUGENIO MONTALE

 

 
Eugenio Montale (1896-1981) nasceu em Génova, Itália.
Pertenceu à escola da “poesia hermética” italiana, juntamente com Salvatore Quasimodo e Giuseppe Ungaretti.

Em 1925, publicou a sua primeira colectânea de poemas: Ossos de Sépia.

Foi colaborador da revista literária “Solaria”, na qual denunciava a realidade social e política de Itália durante o regime fascista.

Os seus sentimentos de solidão, incredulidade e pessimismo em relação ao ser humano foram-se debelando, ligeiramente, no decurso da sua obra.
Em 1975, recebeu o “Prémio Nobel de Literatura”.

 

Palavras de Eugenio Montale:

“Vós, palavras, traís em vão o ataque secreto, o vento que sopra no coração. A razão mais verdadeira é de quem cala.”
 
 

                 Madrigais Privados
 
Deste meu nome a uma árvore? Não é pouca coisa;
embora não me resigne a ficar apenas sombra, ou tronco,
abandonado num subúrbio. Eu o teu
dei a um rio, a um longo incêndio, à minha sorte
cruel, à confiança
sobre-humana com que falaste ao sapo
que saiu do esgoto, sem horror ou pena
ou exaltação, ao alento daquele poderoso
e suave lábio teu que consegue,
nomeando, criar: sapo flores relva rocha —
carvalho pronto a desfraldar-se sobre nós
quando a chuva dispersa o pólen das carnosas
pétalas de trevo e a chama se levanta.
 
 
 
Eugenio Montale
Tradução: Geraldo H. Cavalcanti
 

 

 

MALMEQUER

MALMEQUER Português, ó malmequer Em que terra foste semeado? Português, ó malmequer Cada vez andas mais desfolhado Ma...