sábado, 7 de janeiro de 2017

MÁRIO SOARES



MÁRIO SOARES

(Lisboa, Portugal, 7 de Dezembro de 1924 - 7 de Janeiro de 2017


«Mário Soares é, historicamente, a expressão e a versão mais consensual do ideal democrático trazido pela revolução de Abril. 

Ao longo deste quarto de século, à contre-coeur, a fina flor do antigo regime ou dos seus herdeiros, depois de se abrigar debaixo do seu vasto manto democrático, adoptou-o, ou tentou adoptá-lo a si. Era menos fácil do que julgava. Caiu do céu quando descobriu que o ex-Presidente da República não era tão “suprapartidário”, quer dizer, para ela, tão pouco “25 de Abril”, como sempre o desejou. Queria-o na gaiola dourada do suprapartidarismo, o círculo quadrado da Democracia. Daí o alvoroço de todos os gansos do Capitólio, nostálgicos do antigo unanimismo. 

Em suma, todos quantos durante este quarto de século só aceitaram Abril como pesadelo provisório, sentiram-se defraudados por esta escolha imprevisível e inconcebível, para eles, de Mário Soares. 

A idolatria e a vampirização do antigo autor do Portugal Amordaçado converteu-se, num ápice, em deploração e tristeza. Declaram que se diminuía, que perdia o estatuto “paternal” que reservam sempre ao símbolo da Pátria. 

Felizmente, Mário Soares é um pássaro livre. Nem cabe na gaiola portuguesa. E resolveu até levá-la para a Europa, para que a Europa esteja um pouco mais perto de um Portugal onde, há 25 anos, apesar de todas as desilusões, aconteceu alguma coisa de que vale a pena lembrar-nos».



Texto (escrito em 1999) de EDUARDO LOURENÇO (Almeida, Guarda, Portugal, 1923), professor e filósofo.

Imagem: JÚLIO POMAR, retrato oficial do presidente Mário Soares. Museu da Presidência da República.


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Deve-se ao Presidente Mário Soares o gesto de renovar a galeria de retratos, ao encomendar o seu a Júlio Pomar. Depois de Columbano, foi a primeira vez que um grande artista pôde entrar neste espaço simbólico. Mas, ao contrário de Columbano, Pomar é um pintor rebelde, mergulhado numa reflexão produtiva sobre a arte do século XX cujas heranças selecciona, glosa e recria, com comovente e qualificadíssima paixão. Por isso, ao encomendar-lhe o retrato de um Presidente da República, Mário Soares sabia que não poderia esperar uma obra convencional, voltada para uma inexistente e inexpressiva eternidade.

A obra final, livre e libertária, retrata, com argúcia, o homem sem nenhuma preocupação de celebrar o Presidente. É, evidentemente, uma revolução na galeria de retratos, enunciando as circunstâncias incontornáveis em que ela deve prosseguir: pela escolha de grandes artistas, de percurso inquestionável entre os seus pares e a crítica especializada, que tenham gosto pelo retrato, concedendo-lhes plena liberdade de trabalho, confiando no diálogo, real ou imaginado, que o artista sempre estabelece com o seu modelo.


in “Museu da Presidência da República”


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Palavras 
de 
Mário Soares

“Os Estados não se avaliam pelo dinheiro que têm, mas sim pela sua história e pela sua gente. Nesse sentido, Portugal não pode ser considerado um País pobre, bem pelo contrário.”

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“Gostava que os partidos de esquerda se entendessem, mas não quero pedir tanto... Talvez um dia seja possível. Lembro uma coisa: os social-democratas e os comunistas alemães passavam a vida a discordar e a discutir quando apareceu o Hitler. Acabaram todos em campos de concentração. Temos de pensar nisso.” (Maio/2013)


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Cultura e consciência


Sempre tive a paixão pelo cinema. Gostava pelo imaginário que dá o cinema, pelas actrizes, pelos actores. Tirando os períodos de cadeia, em que não podia ir, ia ao cinema uma, duas, três vezes por semana. Como os meus pais me davam dinheiro, ia. O cinema era uma fonte de diversão, naquela altura em que as pessoas iam todas. Conversávamos entre nós, depois íamos tomar uma cerveja e discutíamos o filme até altas horas.

***

Quando era jovem, os meus amigos foram os expoentes máximos do neo-realismo – e não foi por acaso. O Mário Dionísio era o teórico no neo-realismo, o Júlio Pomar, na altura, era neo-realista, os outros pintores que eram meus amigos estavam mais ou menos nessa linha. 
Depois, os escritores: o Fernando Namora, o Carlos de Oliveira, o Manuel da Fonseca, o Joaquim Namorado, o Alves Redol, o Soeiro Pereira Gomes, toda essa gente, foram todos da minha privança íntima. É toda a escola neo-realista.

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Conheci o Jorge Amado e a mulher em Paris, no hotelzinho. Conheci, ao mesmo tempo, um grande escritor cubano que vivia lá. Havia um conjunto de escritores de vários países do mundo que comecei a conhecer. Por exemplo. O Gabriel García Márquez, de quem fui amigo, embora tivesse tido grandes discussões com ele por causa do Fidel de Castro. Mas só conheci o Gabriel García Márquez depois do meu exílio, nos anos 70. Como conheci o grande escritor peruano Vargas Llosa, ou o mexicano Carlos Fuentes.

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Acredito profundamente que cada ser humano tem consciência. Porque é que temos o senso do bem e do mal? Porque é que temos o sentido do belo? Vale a pena acreditar na consciência das pessoas. As pessoas, mesmo que nos façam uma grande malandrice, têm consciência que a fizeram. Às vezes querem emendar a mão e é preciso dar-lhes a segunda oportunidade. Esta é a minha noção do relacionamento com as pessoas. 
A minha mulher costuma dizer: «Não te lembras do que ele já disse de ti? Esse tipo disse de ti coisas horríveis.»

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Eu tenho uma crença que não se explica racionalmente, mas que é profunda: acredito no homem, acredito no progresso do homem, acredito na consciência.

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Não gosto muito das pessoas pretensiosas, nem das pessoas que se fazem passar por uma coisa que não são. Como gosto das pessoas em geral, procuro sempre, mesmo nas pessoas más, ou nas que são uns trastes, tirar o que há de bom nelas. Todas as pessoas têm coisas boas e coisas más, tudo depende da percentagem. 

O Miterrand dividia as pessoas em duas categorias: aquelas que achava inteligentes, cultas e interessantes, com as quais tinha grandes atenções, uma amizade requintada (tive a sorte de ter sido metido por ele nessa categoria e de ser seu amigo até ao fim da vida). Em relação às outras era de uma altivez, de uma incompreensão, de um desprezo que para mim eram chocantes. Eu não tenho isso. 

Evidentemente que sei muito bem distinguir aquilo que são jóias em estado puro, de pureza interna, e aquilo que são pessoas mesquinhas, pobres de espírito, intriguistas, bajuladoras – não gosto dos bajuladores! Mas mesmo nessas pessoas há coisas boas. E pode retirar-se delas o que há de melhor. Isso é bom para nós, que fazemos essa experiência humana, e elas também ficam gratas por isso.

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O fanatismo é a pior coisa que existe. Em tudo, na religião, em todas as religiões, e também na política. Fanatismo e intolerância, as pessoas estarem convencidas de que têm a verdade no colete, saberem meia dúzia de coisas disto, daquilo, do que for, e não saberem de mais nada, e estarem convencidos de que aquilo é a Bíblia, a verdade absoluta. Isso, realmente, é o fanatismo, é o mal.



Entrevista de: Anabela Mota Ribeiro, Elsa Páscoa e Maria Jorge Costa, in “MÁRIO SOARES – O QUE FALTA DIZER” (2005)


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Poema escrito por Mário Soares, em 1962, na cadeia do Aljube, em Lisboa, para a mulher, Maria Barroso, com quem casou em 1949:


Para ti, meu amor


Para ti
Meu amor
Levanto a voz
No silêncio
Desta solidão em que me encontro
Sei que gostas de ouvir
A minha voz
Feita de palavras ternas e doces
Que invento para ti
Nos momentos calmos
Em que estamos sós
Sei que me ouves
Agora…
… uma vez mais
Apesar da distância
E do silêncio

Opera esse milagre
Simples
Como tudo o que é natural



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Palavras 
de 
Maria Barroso

“Quando vejo o meu marido, vejo exactamente o mesmo homem que conheci há 70 anos. Com a mesma ternura, a mesma simpatia e a mesma admiração por tudo o que foi a sua vida. E sem perder a independência de termos várias vezes opiniões diferentes. Respeitámo-nos sempre.”

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“Gosta muito de pataniscas com feijão-frade. Aos domingos costumamos fazer cozido à portuguesa. Ele gosta de carne e eu não como carne. Mas gosto muito quando ele gosta.”

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