quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

SEGUNDA GUERRA MUNDIAL - SALVATORE QUASIMODO - Cânticos


SALVATORE QUASIMODO
(Itália, 1901 - 1968)
Poeta

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Laureado com o Nobel em 1959, Quasimodo desde muito jovem foi impressionado pelo espectáculo do sofrimento humano. Durante a guerra, o poeta apegou-se aos tormentos do povo. Após o conflito a sua poesia expressou os horrores da guerra e do regime fascista.

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CÂNTICOS


FILHO

- E por que, mãe, cospes num cadáver
que prende com a cabeça baixa, atado pelos pés
às traves? E não te dão náusea os outros
baloiçantes ao lado? Ah! aquela mulher,
as suas meias de can-can macabro
e garganta e boca de flores amassadas!
Não, mãe, pára; grita à multidão
que vá embora. Não é lamento, é escárnio,
é alegria: já se grudam as moscas
aos nós das veias. Atiraste contra
aquele rosto, agora: mãe, mãe, mãe!


MÃE

- Sempre cuspimos sobre cadáveres,
filho: presos às grades de janelas,
a mastros de navios, feitos cinzas
em nome da Cruz, despedaçados pelas feras
por um pouco de erva dos feudos.
E fosse solidão ou tumulto,
olho por olho, dente por dente,
após dos mil anos de eucaristia,
o nosso coração desejou aberto
o outro coração que já abrira o teu,
filho. Te arrancaram os olhos e tuas mãos
te quebraram na procura do nome a trair-se.
Mostra-me os olhos, dá-me aqui tuas mãos:
morreste, filho! Porque morreste
podes perdoar: filho, filho, filho!


FILHO


- Este mormaço repugnante, esta fumaça de
escombros, as gordas verdes moscas
bagas sobre ganchos: a ira e o sangue
gotejam justamente. Não por ti
e nem por mim, mãe: olhos e mãos ainda
me furarão amanhã. Desde séculos
a piedade é o urro do assassinado.

29 de Abril de 1945





Tradução: Sílvio Castro
in “Segunda Guerra Mundial - Uma Antologia Poética – Sammis Reachers




quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

JOÃO CABRAL DE MELO NETO - Num Monumento à Aspirina


                        JOÃO CABRAL DE MELO NETO
(Recife, Brasil, 1920 — Rio de Janeiro, 1999)
Poeta

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NUM MONUMENTO À ASPIRINA

Claramente: o mais prático dos sóis,
o sol de um comprimido de aspirina:
de emprego fácil, portátil e barato,
compacto de sol na lápide sucinta.
Principalmente porque, sol artificial,
que nada limita a funcionar de dia,
que a noite não expulsa, cada noite,
sol imune às leis de meteorologia,
a toda hora em que se necessita dele
levanta e vem (sempre num claro dia):
acende, para secar a aniagem da alma,
quará-la, em linhos de um meio-dia.


Convergem: a aparência e os efeitos
da lente do comprimido de aspirina:
o acabamento esmerado desse cristal,
polido a esmeril e repolido a lima,
prefigura o clima onde ele faz viver
e o cartesiano de tudo nesse clima.
De outro lado, porque lente interna,
de uso interno, por detrás da retina,
não serve exclusivamente para o olho
a lente, ou o comprimido de aspirina:
ela reenfoca, para o corpo inteiro,
o borroso de ao redor, e o reafina.





terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

FERNANDO TELES – A Minha Aldeia


                               FERNANDO TELES
(Lisboa, Portugal, 1891 - 1958)
Poeta, fadista

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A MINHA ALDEIA

É tão linda a minha terra
Essa aldeia pequenina
Desde o alto lá da serra
Até à verde campina

Dentre as latadas de vinha
Que a serrania contém
Alveja branca casinha
Onde morreu minha mãe

Peço a Deus em melodias
A graça desta esmolinha
Que é fazer findar os dias
Também na branca casinha




in “Poetas Populares do Fado Tradicional” – Daniel Gouveia e Francisco Mendes.


segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

PAULO LEMINSKI - Dor elegante


PAULO LEMINSKI
(Curitiba, Brasil, 1944 - 1989)
Poeta, escritor, tradutor, professor

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DOR ELEGANTE


Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante

Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha

Ópios, édens, analgésicos
Não me toquem nesse dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra
 



domingo, 24 de fevereiro de 2019

AUGUSTO ABELAIRA - Quem era na verdade, Fernando Pessoa? (VI)



AUGUSTO ABELAIRA
(Coimbra, Portugal, 1926 - Lisboa, 2003)
                  Dramaturgo, tradutor, jornalista     

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QUEM ERA NA VERDADE, FERNANDO PESSOA? (VI)

Mas como toda a regra – se é que isto é uma regra – tem excepção, casos há em que Pessoa é tido pelas ideias (e isso na sua juventude e por sinal com aquele que a mim me parece ser o maior dos poetas portugueses: Alberto Caeiro). 

Mas eis ainda aí um puro caso de ausência de convicções sólidas. Em determinado dia e sinceramente, Pessoa achou que o mistério das coisas não existia – tal como poderia ter achado outra qualquer ideia. – Como a ideia fosse bastante interessante – como interessante não deixa de ser o facto de trinta e tal desses poemas serem desse próprio dia. – Pessoa fez render o peixe, deixou-se ser tido pela ideia. Importa notar todavia, que este ser tido pela ideia, o era, não pela condição em que estivesse de obtida a verdade, mas justamente porque tal ideia saía do comum. 

Pergunto-me mesmo se o sistema de Caeiro não será uma defesa para o facto da sua impotência de parar em determinadas ideias; uma explicação de por que é que viajava através das ideias e não se atrevia a agarrar nenhuma. (Uma tentativa mesmo de anular essa realidade que consiste em nós termos, mais do que a posse dos próprios objectos – se é que existem, claro - ideias que no mínimo serão representações desses objectos, mas nunca os próprios objectos).

(continua)



in “Mundo Literário” – Semanário de Crítica e Informação Literária, Científica e Artística – 1947






sábado, 23 de fevereiro de 2019

NAGY LÁSZLÓ – Quem levará o amor?


                                 NAGY LÁSZLÓ
(Hungria, 1925 – 1978)
Poeta

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QUEM LEVARÁ O AMOR?



Quando meu ser pra sempre se fundir,
quem adorará violino do grilo?
Chama quem soprará no ramo frio?
Quem se deitará no sobre o arco-iris?
Chorando, quem abraçará rochosas
ancas ora campos de leves ondas?
Quem acariciará duros cabelos
de raízes nas paredes, artérias?
E à fé devastadora erigirá
quem uma de injúrias catedral?
Quando meu ser pra sempre se fundir,
quem os abutres amedrontará?
E quem levará para a outra margem
o Amor em seus dentes apertado?



Tradução: Ernesto Rodrigues



sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

RUY BELO - Digam que foi mentira



RUY BELO
(Rio Maior, Portugal, 1933 - Queluz, 1978)
Poeta, ensaísta

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DIGAM QUE FOI MENTIRA

Digam que foi mentira, que não sou ninguém,
que atravesso apenas ruas da cidade abandonada
fechada como boca onde não encontro nada:
não encontro respostas para tudo o que pergunto nem
na verdade pergunto coisas por aí além
Eu não vivi ali em tempo algum