domingo, 21 de março de 2021

MALMEQUER




MALMEQUER


Português, ó malmequer
Em que terra foste semeado?
Português, ó malmequer
Cada vez andas mais desfolhado

Malmequer é branco branco
Que outra cor querem que escolhas
Se te querem ver bonito
Por que te arrancam as folhas?

Por muito humilde que sejas
Malmequer ó meu amigo
Lá vem o dia da espiga
Que tens honras de trigo

Malmequer tens pouca flor
Mesmo assim és um valente
Antes ser dez réis de flor
Do que ser dez réis de gente

És uma flor sempre povo
Vem do povo a tua força
Estás bem agarrado à terra
Não há vento que te torça

Malmequer ou bem-me-quer
És a flor mais desprezada
Uns com muito, outros com pouco
E a maioria sem nada

És branco da cor da paz
Mas seja lá por que for
Há para aí uns malmequeres
Que andam a mudar de cor

Regam-te a seiva com esperança
Mesmo assim não és feliz
Há muitas ervas daninhas
Que te atacam a raiz

Malmequer se fores regado
Num dia de muito Sol
Cresce, cresce, cresce, cresce
Para seres um girassol




Letra: César de Oliveira
Criação: Raul Solnado

sábado, 20 de março de 2021

O BURRO E AS DUAS MARGENS




O BURRO E AS DUAS MARGENS


É costume contar-se às crianças, quando começam a estar em idade de começar a ser estúpidas, uma história a propósito de um burro que chega à margem de um rio e não consegue passar para a outra margem.

O rio não tem ponte, o burro não sabe nadar, não há barca que o transporte. O que faz o burro? Depois de algum tempo de pensar, a criança diz que desiste. E então a pessoa adulta, que lhe pôs a adivinha, diz: O mesmo fez o burro. O que devia dizer era: És como o burro, porque assim é que a graça tem graça, se é que a tem.
Mas a história não se passou assim, e foi o burro mesmo que m'a contou.

O burro chegou à margem do rio, e queria passar para a outra margem. Verificou, efectivamente, e nesse particular a história é verídica como se narra, que (a) não havia ponte, (b) não havia barco, (c) ele, burro, não sabia nadar.

Então o burro pensou: O que faria um homem no meu caso? E, depois de pensar, pensou: Desistia. Pois bem, decidiu: Sou como o homem.

Porque, nesta adivinha, ninguém pensou numa coisa: é que o homem desistia também.

Moralidade: A política partidária é a arte de dizer a mesma coisa de duas maneiras diferentes. O melhor é dizer em segundo lugar, porque como é o homem que faz a adivinha, adiante vai o burro.
Moralidade:

Cuidado com o avesso.
Cuidado com os tecidos políticos que se podem virar do avesso.




FERNANDO PESSOA, in “Arquivo Pessoa”
Imagem: Fernando Pessoa – pintura de Júlio Pomar


sexta-feira, 19 de março de 2021

JÁ REPARARAM COMO É BOM DIZER "O ANO PASSADO"?




JÁ REPARARAM COMO É BOM DIZER "O ANO PASSADO"?

Já repararam como é bom dizer "o ano passado"? É como quem já tivesse atravessado um rio, deixando tudo na outra margem...Tudo sim, tudo mesmo! Porque, embora nesse "tudo" se incluam algumas ilusões, a alma está leve, livre, numa extraordinária sensação de alívio, como só se poderiam sentir as almas desencarnadas.

Mas no ano passado, como eu ia dizendo, ou mais precisamente, no último dia do ano passado deparei com um despacho da “Associeted Press” em que, depois de anunciado como se comemoraria nos diversos países da Europa a chegada do Ano Novo, informava-se o seguinte, que bem merece um parágrafo à parte:

"Na Itália, quando soarem os sinos à meia-noite, todo mundo atirará pelas janelas as panelas velhas e os vasos rachados".

Óptimo! O meu ímpeto, modesto mas sincero, foi atirar-me eu próprio pela janela, tendo apenas no bolso, à guisa de explicação para as autoridades, um recorte do referido despacho.

Mas seria levar muito longe uma simples metáfora, aliás praticamente irrealizável, porque resido num andar térreo. E, por outro lado, metáforas a gente não faz para a Polícia, que só quer saber de coisas concretas. Metáforas são para aproveitar em versos...

Atirei-me, pois, metaforicamente, pela janela do tricentésimo-sexagésimo-quinto andar do ano passado.

Morri? Não. Ressuscitei. Que isto da passagem de um ano para outro é um corriqueiro fenómeno de morte e ressurreição - morte do ano velho e sua ressurreição como ano novo, morte da nossa vida velha para uma vida nova.




MÁRIO QUINTANA (Rio Grande do Sul, Brasil, 1906-1994).



quinta-feira, 18 de março de 2021

CASA MUSEU CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

 


CASA MUSEU CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Em Itabira, Minas Gerais, Brasil, cidade natal de Carlos Drummond de Andrade, está boa parte do legado do poeta. 

O sobrado colonial do final do século 19 com 32 cómodos pertencia a seu bisavô, mas abrigou o escritor dos 2 aos 13 anos de idade, que representa o local no poema “Casa“. 

Hoje, funciona como centro cultural e acervo, contando com alguns objectos pessoais, como a primeira máquina de dactilografia que teve, colecções de cartas e fotografias, prémios literários e obras de arte feitas em sua homenagem. 

O local integra o roteiro Caminhos Drummondianos, que mostra lugares dos quais ele já citou em seus versos.


in “Passeio Literário”

 


quarta-feira, 17 de março de 2021

BERLINDA DE D. MARIA I



BERLINDA DE D. MARIA I

Viatura de aparato que terá sido utilizada em 1790, por D. Maria I, na cerimónia da consagração da Basílica da Estrela, em Lisboa. 

O modelo da caixa é uma transição entre o coche e a berlinda, mas a suspensão utiliza a técnica da berlinda. O trabalho da talha é atribuído a Silvestre Faria Lobo e Barros Laborão.

Nos apainelados da caixa, pinturas de Pedro Alexandrino de Carvalho que poderão ter sido executadas para a inauguração da basílica.

A caixa é fechada, com elementos esculpidos em estilos franceses de Luís XIV e Luís XV.

No tejadilho encontram-se as armas de Portugal e as iniciais M.P.R.P.

O interior está forrado de veludo verde.

No painel do alçado traseiro, destaca-se a figura de Apolo no seu carro, rodeado pelas Musas e pelas figuras da Geometria e da Astronomia e em baixo as figuras da Arquitectura e da Escultura.





Fonte “Museu Nacional dos Coches”


terça-feira, 16 de março de 2021

O PARADOXO DO TEMPO



GEORG LICHTENBERG
(Alemanha, 1742 - 1799)
Filósofo, escritor, matemático

***

O PARADOXO DO TEMPO

Frequentemente observei o seguinte: quanto mais variados os acontecimentos que se sucedem, tanto mais rapidamente passam os nossos dias, mais longo, ao contrário nos parece o tempo passado, a soma desses dias.
Por outro lado, quanto mais monótonas as nossas ocupações, tanto mais longos se tornam os nossos dias, tanto mais curto o tempo passado ou a soma deles. A explicação não é difícil.



in “Aforismos”



segunda-feira, 15 de março de 2021

COLISEU DE ROMA




COLISEU DE ROMA
O IMPERADOR ROMANO VESPASIANO mandou erguer este vasto anfiteatro como um grandioso gesto cívico para satisfazer o crescente apetite por espectaculares exibições de violência.
O Coliseu (70-82 d.C.) de Roma passou a ser um símbolo do poder e organização do Império Romano, onde eram realizados jogos cada vez mais elaborados, com combatentes, vítimas animais importados de todo o império. Num só espectáculo, chegavam a ser chacinados cinco mil pares de gladiadores e cinco mil animais, diante de cinquenta mil espectadores.

A popularidade dos imperadores era avaliada pelo êxito dos seus jogos, que continuaram até que o império em declínio deixou de ter os meios para os organizar.

O rápido programa de construção do Coliseu pôs à prova a capacidade de organização e o engenho dos construtores, que utilizaram o trabalho por turnos, o prefabricado, a construção em módulos, complicada maquinaria e uma equipa altamente especializada em métodos não muito longe dos que encontramos em projectos do século XX.





Fonte: “Arquitectura” - Neil Stevenson

domingo, 14 de março de 2021

Grandes Homens forjam-se a si próprios




RAMALHO ORTIGÃO
(Porto, Portugal, 1836 - Lisboa, 1915)
Escritor

***

Com Eça de  Queirós fundou As Farpas. Com Antero de Quental bateu-se em duelo, à espada, por causa de uma contenda decorrente da Questão Coimbrã. Figura destacada do século XIX, literário e intelectual português, e, em particular, da Geração de 70, foi um ilustre membro do grupo dos "Vencidos da Vida".


***

GRANDES HOMENS FORJAM-SE A SI PRÓPRIOS

Para conhecer a realidade do mundo, único fim sério da ciência, é preciso entrar no combate da vida como entravam na liça os paladinos bastardos - sem pai e sem padrinho. Os príncipes não constituem excepção a esta lei geral da formação dos homens. Da educação de gabinete, do bafo enervante dos mestres, dos camareiros e das aias, nunca saíram senão doentes e pedantes.

Na sagração dos czares há uma cerimónia de alta significação simbólica: o imperador não se confirma enquanto por três vezes não haja descido do trono e penetrado sozinho na multidão; e isto quer dizer que na convivência do povo a autoridade e o valor dos monarcas recebe uma tão sagrada unção como a da santa crisma. Todos os reis fortes se fizeram e se educaram a si mesmos nos mais rudes e mais hostis contactos da natureza e da sociedade humana.

Veja vossa alteza Carlos Magno, que só aos quarenta anos é que mandou chamar um mestre para aprender a ler. Veja Pedro o Grande, do qual a educação de câmara começou por fazer um poltrão. Aos quinze anos não se atrevia a atravessar um ribeiro. Reagiu enfim sobre si mesmo pela sua única força pessoal. Para perder o medo aos regatos, um dia, da borda de um navio, arrojou-se ao mar. Para se fazer marinheiro começou por aprender a manobrar, servindo como grumete. Para se fazer militar começou por tambor na célebre companhia dos jovens boiardos. E para reconstituir a nacionalidade russa começou por construir navios, a machado, como oficial de carpinteiro e de calafate, nos estaleiros de Sardam. Também não teve mestres, e foi consigo mesmo que ele aprendeu a lingua alemã e a língua holandesa. 

Veja vossa alteza, enfim, todos aqueles que no governo dos homens tiveram uma acção eficaz, e reconhecerá se é na lição dos mestres ou se é no livre exercício da força e da vontade individual que se criam os caracteres verdadeiramente dominadores, como o de Cromwell, como o de Bonaparte, como o de Santo Inácio, como o de Lutero, como o de Calvino, como o de Guilherme o Taciturno, como o de Washington, como o de Lincoln.



in “As Farpas" - 1883 





sábado, 13 de março de 2021

GRUPO DO LEÃO




GRUPO DO LEÃO

Em 1881, alguns artistas plásticos e homens de letras, que se reuniam habitualmente na cervejaria e restaurante Leão de Ouro, da antiga Rua do Príncipe, em Lisboa, resolveram fundar o Grupo do Leão, cuja actividade se estendeu até 1888. 

O Grupo do Leão que teve a sua revista própria, a Crónica Ilustrada, dirigida por Alberto de Oliveira, congregou um núcleo de artistas modernos (como a si próprios se chamavam), devotado à estética do Naturalismo, como reacção ao meio artístico nacional, em franca decadência, simbolizado na “Promotora”. 

O chefe do grupo foi o pintor portuense Silva Porto; a ele se juntaram António Ramalho, João Vaz, Malhoa, Girão, Henrique Pinto, Rodrigues Vieira, Cipriano Martins, Ribeiro Cristino. Mais tarde, fizeram parte do Grupo do Leão, o entalhador Leandro Braga, Rafael Bordalo, Vilaça e até Soares dos Reis e o rei D. Fernando. 

Também Columbano se integrou no grupo, que retratou numa tela célebre, hoje no Museu Nacional de Arte Contemporânea, mas que pertenceu à decoração da cervejaria, efectuada em 1885, assim como vários outros quadros dos pintores do grupo. 

Ao Grupo do Leão, que promoveu exposições notáveis durante a sua existência, pertenceram ainda literatos como Monteiro Ramalho – o crítico oficial do grupo -, Fortunato da Fonseca, Augusto  Cardoso, etc. Não se deverá esquecer a figura de António Monteiro, também retratado por Columbano, proprietário da cervejaria que deu o nome ao Grupo do Leão, de tão grande importância na arte portuguesa nos fins do século XIX. 




Fonte: "Enciclopédia de Cultura"
Imagem: Grupo do Leão: pintura de Columbano Bordalo Pinheiro.

sexta-feira, 12 de março de 2021

MENSAGEM DE DESPEDIDA À HUMANIDADE FUTURA




MENSAGEM DE DESPEDIDA À HUMANIDADE FUTURA


“Gostaria de dizer que temos, graças aos nossos conhecimentos actuais, poderes jamais alcançados pelo homem. Podemos utilizar esses poderes para o bem ou para o mal. Serão bem utilizados se nos compenetrarmos de que a humanidade é toda ela uma família, e de que podemos ser todos felizes ou todos infelizes. Já lá vai o tempo em que uma pequena minoria podia viver feliz à custa da miséria das grandes massas. Já ninguém se sujeita a uma situação dessas, e temos de aprender a aceitar a ideia de que o nosso vizinho também tem direito a ser feliz, se nós próprios queremos ser felizes. 

Estou convencido de que, se todos forem educados inteligentemente, serão mais expansivos e não terão dificuldade em considerar a felicidade alheia como condição essencial para a felicidade própria. 

Ás vezes tenho visões de um mundo de seres humanos felizes, cheio de vivacidade, inteligentes, onde não há opressores nem oprimidos. Um mundo de seres compenetrados de que os seus interesses comuns excedem os interesses de competição, empenhados na efectivação das possibilidades realmente extraordinárias que a inteligência e imaginação humanas podem tornar realidade. 

Esse mundo pode existir, se os homens quiserem. E quando existir – se algum dia chegar a existir – será um mundo muito mais maravilhoso, muito mais glorioso e mais feliz, mais rico em imaginação e em alegrias do que qualquer outro jamais conhecido.”




BERTRAND RUSSEL (Reino Unido, 1872-1970), in “A Minha Concepção do Mundo”
Imagem: Bertrand Russel por Norman Rockwell



quinta-feira, 11 de março de 2021

FERNÃO MENDES PINTO



FERNÃO MENDES PINTO
(Montemor-o-Velho, Portugal, 1510 - Almada, 1583)

***

Veio muito cedo para Lisboa, servindo vários amos, até que, em 1537, consegue, após várias tentativas malogradas, embarcar para a Índia. Percorre os mares e as terras do Oriente, onde é protagonista das mais fantásticas peripécias durante vinte e um anos, no decurso dos quais foi treze vezes cativo e dezassete vendido como escravo. 

O seu temperamento aventureiro adapta-se a todas as situações: é comerciante, é pirata, é soldado e marinheiro, mas também embaixador. 

Entra como noviço para a Companhia de Jesus, impressionado com a vida de S. Francisco Xavier, a quem entrega uma grande soma para as suas missões no Japão, mas não chega a receber os votos definitivos e de novo se lança na aventura, ganhando e perdendo sucessivamente grandes fortunas. 

Com dois companheiros, Diogo Zeimoto e Simão Borralho, é dos primeiros Portugueses que chegam ao Japão.

Finalmente, em 1558, cansado da vida aventurosa e violenta, regressa pobre a Portugal, e fixa-se em Almada. Aí escreve o seu empolgante e humaníssimo livro, obra ímpar da nossa literatura, só editado trinta e um anos após a sua morte: a PEREGRINAÇÃO.




in “Selecta Literária”

Imagem: retrato de Fernão Mendes Pinto de autoria de Giraldo Fernandes do Prado. 



quarta-feira, 10 de março de 2021

A MÃE DAS CRIANÇAS DO HOLOCAUSTO




A MÃE DAS CRIANÇAS DO HOLOCAUSTO


O holocausto nazista expôs os dois extremos do comportamento humano, a crueldade mais intensa e a generosidade mais dadivosa. É a sensação que se tem com o livro A história de Irena Sendler - A Mãe das Crianças do Holocausto que oferece uma ampla visão de alguns dos momentos mais dramáticos da Segunda Guerra. Nele, a crueldade nazista se revela em todos os seus aspectos mais ferozes, ao mesmo tempo em que emerge a grandeza de heróis que se arriscaram para salvar os perseguidos.

É o caso da polonesa IRENA SENDLER, uma assistente social que se dedicou inteiramente a salvar os judeus confinados no Gueto de Varsóvia e conseguiu, muitas vezes chegando aos limites da sanidade, da fome e da própria vida, resgatar mais de duas mil crianças condenadas à morte a pedido do próprio Hitler.

"As crianças estavam vestidas com roupa de festa seguindo em grupos de quatro para a praça da morte. Quem tinha o direito de dar uma sentença como aquela? Adolf Hitler: ele havia condenado crianças, idosos e doentes judeus a serem mortos em câmaras de gás", conta um dos depoimentos do livro."

"As ruas do Gueto estavam repletas de crianças mendigando. Nós as víamos quando entrávamos lá e, algumas horas depois, quando saíamos, com frequência elas já eram corpinhos caídos no chão, cobertos com jornais", conta Irena, no livro.

Ela enfrentou a mais cruel das dúvidas: separar os filhos de seus pais, com a consciência de que essa era a única alternativa. Sabia que os judeus do gueto seriam, cedo ou tarde, dizimados e dedicou-se, como outros heróis poloneses e católicos, a levar as crianças, de bebés a adolescentes, para o lado "ariano" de Varsóvia, dando-lhes abrigo, alimentação, educação e principalmente conforto emocional junto a famílias católicas, orfanatos e conventos. Para isso, escondia-as em caixas de papelão, armários e cestas com alimentos, testemunhando cenas de desespero. 

"Promete que o meu filho viverá?", era a pergunta que ouvia nesse momento dramático de separação. Irena nunca prometeu nada, mas todas as crianças que salvou sobreviveram à guerra.

O Gueto de Varsóvia chegou a abrigar 380 mil judeus, confinados e destinados a morrer de fome e frio. Em 1942, ocorreu a Grande Acção, em que 300 mil desses judeus foram enviados a Treblinka, o famoso campo de extermínio, de onde pouquíssimos voltaram com vida. O restante permaneceu trabalhando como escravos para os alemães e - com a certeza de que acabaria também sendo exterminado - promoveu o Levante do Gueto de Varsóvia, quando tentaram resistir ao exército nazista. 

Foi mais um gesto de auto respeito e honra do que uma tentativa de sobrevivência. Depois do Levante, o gueto foi destruído; algumas cenas desses momentos são retratadas com razoável fidelidade no filme O Pianista, do realizador Roman Polanski, de 2002.

Irena Sendler testemunhou tais momentos e lutou tenazmente na clandestinidade para salvar suas crianças, adoptando o pseudónimo de Irmã Jolanta e operando por meio do Zegota, organização do governo polonês exilado. 

"A única forma da humanidade renascer é por meio do amor omnipotente", disse ela à autora do livro. Acabou sendo presa, torturada e condenada à morte por fuzilamento. Mas ela não podia morrer: era a única que guardava o registo das crianças foragidas, com seus nomes verdadeiros e falsos. Assim, num esforço desmedido, membros do Zegota conseguiram subornar um oficial alemão para que ela fosse libertada.

Irena viveu na clandestinidade até o fim da guerra, procurada incansavelmente pelo exército nazista. Mas as crianças estavam salvas e foram, para sempre, suas filhas.

Em 2006 Irena foi apresentada como candidata para o prémio Nobel da Paz pelo governo polaco.



IRENA SENDLER (Varsóvia, Polónia, 1915 – 2007)

in “Planeta Sustentável - Estante”






terça-feira, 9 de março de 2021

ERNESTO DE SOUSA



 
                                                  ERNESTO DE SOUSA
 (Lisboa, 1921, Portugal – 1988)
Fotógrafo, cineasta, ensaísta

***

Dirigente cineclubista, esteve à testa da revista Imagem. Numa carreira de quase meio século de actividade audiovisual, há que salientar a acção desenvolvida no cineclubismo, no cinema (Dom Roberto, 1962) e na publicação de obras didácticas, tais como: O que é o Cinema? ; Artes Gráficas – Veículo de Intimidade; Para Almada; Recomeçar – Almada em Madrid.



in “Livro dos Portugueses”

segunda-feira, 8 de março de 2021

A FELICIDADE




A FELICIDADE


Quem pôde, neste mundo, até hoje definir a felicidade? 

Desde que a atenção do homem se concentrou da natureza visível para a natureza interior, a ciência, a poesia, a religião, debruçadas sobre o coração humano, revolvem o impenetrável problema, esgotando em vão a sagacidade, a inspiração, a eloquência. 

Todas as influências que compõem a alma contraditória do homem, que o obscurecem, ou explicam, que o regeneram, ou degradam, os sentimentos que fortalecem, ou deprimem, os que criam, ou destroem, os que repelem, ou encantam, vão passando sucessivamente pelo fundo misterioso do vaso, onde a humanidade bebe, desde o princípio de sua criação, a ambrósia e o fel. 

E a eterna interrogação continua a preocupar eternamente as cabeças, que meditam, as imaginações, que cismam: onde está a felicidade? No amor ou na indiferença? Na obediência, ou no poder? No orgulho, ou na humildade? Na investigação, ou na fé? Na celebridade, ou no esquecimento? Na nudez, ou na prosperidade? Na ambição, ou no sacrifício? 

Risível pretensão fora a minha, se me propusesse a entrar com uma fórmula nova na multidão inumerável dos escavadores deste enigma. Não passa de uma impressão pessoal a que vos traduzo, dizendo-vos em uma palavra a minha maneira de interpretar o grande segredo. 

A meu ver, a felicidade está na doçura do bem, distribuído sem ideia de remuneração. Ou, por outra, sob uma fórmula mais precisa, a nossa felicidade consiste no sentimento da felicidade alheia, generosamente criada por um acto nosso.




RUY BARBOSA (Brasil, 1849 – 1923), escritor, jornalista, jurista, político, ensaísta, orador.

in “ARGUS” – Revista mensal ilustrada – 1900

Imagem: pintura de Carlos Calvet 

domingo, 7 de março de 2021

AULO




 
AULO

Instrumento de sopro, feito de madeira, marfim ou metal, com uma palheta dupla, originário da Ásia Menor e muito utilizado na Grécia antiga nos actos de homenagem a Dionísio.

Existiam diversas variantes, umas de um só tubo (aulo simples), outras de duplo tubo.

A sua utilização deu lugar à aulodia, forma de execução musical unicamente com aulo.




in “Auditorium”


sábado, 6 de março de 2021

S.M.I. O SENHOR D. PEDRO II DO BRASIL VISITOU ALEXANDRE HERCULANO




S.M.I. O SENHOR D. PEDRO II DO BRASIL VISITOU ALEXANDRE HERCULANO

Sua Majestade Imperial visitou o sr. Alexandre Herculano. Isto é inteiramente incontestável. Todos são acordes.
No que porém a opinião está radicalmente desacordada – é acerca do lugar em que o Imperador brasileiro visitou o historiador português.

O Diário de Notícias diz que o Imperador foi à mansão do sr. Herculano.

O Diário Popular afirma que o Imperador foi ao retiro do sr. etc.

O sr. Silva Túlio declara que o Imperador foi ao Tugúrio de Herculano; ainda que linhas depois se contradiz narrando que o Imperador esteve na Tebaida do ilustre historiador que…

Uma correspondência para um jornal do Porto afiança que o Imperador foi ao aprisco do grande, etc.

Outra sustenta que o Imperador foi ao abrigo desse que…

Outros jornais de Lisboa ensinam que Sua Majestade foi ao albergue daquele que…

Outro exclama que Sua Majestade foi à solidão do eminente vulto que…

Outro conta que o imperante foi ao exílio do venerando cidadão que…

Ora, no meio disto, uma coisa terrível se nos afigura: é que Sua Majestade se esqueceu de ir simplesmente – a casa do sr. Alexandre Herculano!

Infeliz príncipe! tinha marcado aquela viagem no seu programa – casa de Herculano – e falha-a! Que infinit, amarga mágoa o não torturará agora nas sombras murmurosas do Catete – que é o Campo Grande de lá!




EÇA DE QUEIROZ e RAMALHO ORTIGÃO,  in “As Farpas”.