quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

PARA AS RAPARIGAS DE COIMBRA

 
 

 
Para as Raparigas de Coimbra
 
 
 
Ó choupo magro e velhinho,
Corcundinha, todo aos nós:
És tal qual meu avozinho,
Falta-te apenas a voz.

Minha capa vos acoite
Que é p'ra vos agasalhar:
Se por fora é cor da noite,
Por dentro é cor do luar...

Ó sinos de Santa Clara,
Por quem dobrais, quem morreu?
Ah, foi-se a mais linda cara
Que houve debaixo do céu!

A sereia é muito arisca,
Pescador, que estás ao sol:
Não cai, tolinho, a essa isca...
Só pondo uma flor no anzol!

A lua é a hóstia branquinha,
Onde está Nosso Senhor:
É d'uma certa farinha
Que não apanha bolor!
 
Vou a encher a bilha e trago-a
Vazia como a levei!
Mondego, qu'é da tua água?
Qu'é dos prantos que eu chorei?

A cabra da velha Torre,
Meu amor, chama por mim:
Quando um estudante morre,
Os sinos chamam, assim.

- E só porque o mundo zomba
Que pões luto? Importa lá!
Antes te vistas de pomba...
- Pombas pretas também há!

Terezinhas! Ursulinas!
Tardes de novena, adeus!
Os corações ás batinas
Que diriam? sabe-o Deus...

Teu coração é uma igreja:
N'uma essa dorme, ali,
Manoel, bendito seja,
Que morreu d'amor por ti.

Manoel no Pio repoisa:
Todos os dias, lá vou
Ver se quer alguma coisa,
Perguntar como passou

Agora, são tudo amores
A roda de mim, no Cais,
E, mal se apanham doutores,
Partem e não voltam mais...

Aos olhos da minha fronte
Vinde os cântaros encher:
Não há, assim, segunda fonte
Com duas bicas a correr!

Nossa Senhora faz meia
Com linha feita de luz:
O novelo é a lua-cheia,
As meias são p'ra Jesus.

Meu violão é um cortiço,
Tem por abelhas os sons
Que fabricam, valha-me isso,
Fadinhos de mel, tão bons...

Ó fogueiras, ó cantigas,
Saudades! recordações!
Bailai, bailai, raparigas!
Batei, batei, corações!

 
António Nobre, in “Só”


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