quinta-feira, 12 de junho de 2014

Quadras Populares

 
 




Quadras Populares
 
Cantigas de portugueses
São como barcos no mar —
Vão de uma alma para outra
Com riscos de naufragar.

 
A caixa que não tem tampa
Fica sempre destapada
Dá-me um sorriso dos teus
Porque não quero mais nada.
 
No baile em que dançam todos
Alguém fica sem dançar.
Melhor é não ir ao baile
Do que estar lá sem estar.

 
Vale a pena ser discreto?
Não sei bem se vale a pena.
O melhor é estar quieto
E ter a cara serena.
 
Tenho um relógio parado
Por onde sempre me guio.
O relógio é emprestado
E tem as horas a fio.

 
Aquela senhora velha
Que fala com tão bom modo
Parece ser uma abelha
Que nos diz: "Não incomodo".

 
Não digas mal de ninguém,
Que é de ti que dizes mal.
Quando dizes mal de alguém
Tudo no mundo é igual.
 
Quando vieste da festa,
Vinhas cansada e contente.
A minha pergunta é esta:
Foi da festa ou foi da gente?

 
Tenho uma pena que escreve
Aquilo que eu sempre sinta.
Se é mentira, escreve leve.
Se é verdade, não tem tinta.
 
Deixaste cair a liga
Porque não estava apertada...
Por muito que a gente diga
A gente nunca diz nada.

 
Não há verdade na vida
Que se não diga a mentir.
Há quem apresse a subida
Para descer a sorrir.
 
Santo Antônio de Lisboa
Era um grande pregador
Mas é por ser Santo Antônio
Que as moças lhe têm amor.

 
Tem um decote pequeno,
Um ar modesto e tranquilo;
Mas vá-se lá descobrir
Coisa pior do que aquilo!
 
Aquela loura de preto
Com uma flor branca no peito,
É o retrato completo
De como alguém é perfeito.
 
Fernando Pessoa

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