terça-feira, 30 de setembro de 2014

Canção de Outono

 
 
 




Canção de Outono


Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.


De que serviu tecer flores
pelas areias do chão,
se havia gente dormindo
sobre o própro coração?


E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando áqueles
que não se levantarão...


Tu és a folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
Certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...

 

Cecília Meireles (Tijuca, Brasil, 1901 – Rio de Janeiro, Brasil,1964).

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

A Melhor Parte da Nossa Memória está Fora de Nós

 
 
 
 
 
 
 
 

         A Melhor Parte da Nossa Memória está Fora de Nós

 

As recordações em amor não constituem uma excepção às leis gerais da memória, também ela regida pelas leis do hábito. Como esta enfraquece tudo, o que mais nos faz lembrar uma pessoa é justamente aquilo que havíamos esquecido por ser insignificante e a que assim devolvemos toda a sua força.

A melhor parte da nossa memória está deste modo fora de nós. Está num ar de chuva, num cheiro a quarto fechado ou no de um primeiro fogaréu, seja onde for que de nós mesmos encontemos aquilo que a nossa inteligência pusera de parte, a última reserva do passado, a melhor, aquela que, quando se esgotam todas as outras, sabe ainda fazer-nos chorar.

 

Marcel Proust (França, 1871-1922), in “A Fugitiva”

Imagem: pintura de Salvador Dali

 

 

domingo, 28 de setembro de 2014

Cancioneiro Popular - (XIII) - Cantiga da Natureza

 
 
 
 
 
 

Cantiga da Natureza

 

Já chove, já quer chover,
Já correm os ribeirinhos,
Já semeiam os alqueires
Já cantam os passarinhos.

Já lá vem no Sol nascendo
Qu' é o rei das alegrias;
Como pode o Sol ser velho,
Nascendo todos os dias?

O Sol é arco de prata,
A Lua é a fechadura,
As estrelas são as chaves
Que fecham pouca ventura.

O Sol é trabalhador,
Anda no campo lavrando.
É abugão do Senhor,
As 'strelas anda mandando.

O sol-posto vai doente,
A Lua o vai sangrar, 
As estrelas são bacias
Que o sangue vão aparar.

O sol quando nasce, é rê
E às dez horas é c'roado,
E à tardinha já não vê
E à tarde já vai doente

Rompe o Sol, cantam as aves,
Abrem as flor's no jardim
Tudo alegre, tudo canta
Só há tristezas em mim.

 

Cancioneiro Popular Português de J. Leite de Vasconcellos

 


sábado, 27 de setembro de 2014

Ao longe os barcos de flores

 
 




 Ao longe os barcos de flores

 

Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranquila,
‑ Perdida voz que de entre as mais se exila,
‑ Festões de som dissimulando a hora.

Na orgia, ao longe, que em clarões cintila
E os lábios, branca, do carmim desflora...
Só, incessante, um som de flauta chora,
Viúva, grácil, na escuridão tranquila.

E a orquestra? E os beijos? Tudo a noite, fora,
Cauta, detém. Só modulada trila
A flauta flébil... Quem há-de remi-la?
Quem sabe a dor que sem razão deplora?

Só, incessante, um som de flauta chora...

         

Camilo Pessanha (Coimbra, Portugal, 1867 – Macau, República Popular da China, 1926).

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Poeta do Fado: Gabriel de Oliveira

 
 
 
 
 

Gabriel de Oliveira (1891-1953) nasceu em Lisboa, Portugal.

Combateu na Primeira Guerra Mundial.

Poeta do fado, escreveu grandes êxitos, tais como: Há Festa na Mouraria, A Senhora do Monte, Igreja de Santo Estevão, Café das Camareiras. 

Natália dos Anjos, Joaquim Campos, Carlos Ramos e Alfredo Marceneiro foram alguns dos fadistas que cantaram letras de Gabriel de Oliveira.
Figurou na "Antologia dos Poetas Modernos Portugueses", organizada por Fernando Pessoa e António Botto.
Sabendo do interesse do rei D. Carlos pela Guitarra Portuguesa e pelo Fado, escreveu a letra “O Embuçado” que se mantém uma referência neste género musical.

 


      O Embuçado

Noutro tempo a Fidalguia
Que deu brado nas toiradas
Andava p'la Mouraria
Onde muito falar se ouvia
Dos Cantos e Guitarradas.

A história que eu vou contar
Contou-me certa velhinha
Certa vez que eu fui cantar
Ao salão de um Titular
Lá para o Paço da Rainha.

E nesses salão doirado
De ambiente Nobre e sério
Para ouvir cantar o Fado
Ia sempre um Embuçado
Personagem de mistério.

Mas certa noite ouve alguém
Que lhe disse, erguendo a fala:
- Embuçado, nota bem:
Que hoje não fique ninguém
Embuçado nesta sala!

Perante a admiração geral
Descobriu-se o Embuçado
Era El-Rei de Portugal
Houve beija-mão real
E depois cantou-se o Fado.

 

Gabriel de Oliveira

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Palestina - Fadwa Touqan: A Liberdade do Povo

 
 
 
 
 

A Liberdade do Povo 

 

Liberdade!
Liberdade!
Liberdade!
Voz da grande cólera que faz versos
Sob as balas, no meio das chamas
Voz que persigo apesar das correntes
Cujo avanço apresso, apesar da noite
E luto fazendo versos
Liberdade!
Liberdade!
Liberdade!
E o rio sagrado e as pontes fazem versos
Liberdade!
O trovão, o redemoinho e a tormenta de minha pátria
Fazem versos comigo
Liberdade! Liberdade! Liberdade!
Continuarei lutando
E gravarei na terra, nos muros
Nas portas, nas janelas
No templo da virgem e nos mihrabs
Nos sulcos, nos relevos e nas rochas
Na prisão, na câmara de torturas, na forca
Apesar das correntes, apesar da destruição das casas
Apesar da mordida das brasas
Continuarei gravando teu nome
Até que a veja
Estender-se sobre minha pátria e crescer
Crescer, crescer
Até cobrir cada polegada de sua terra
Até que eu veja a liberdade vermelha abrir cada porta
A noite fugir e a luz destroçar as fortificações da névoa
Liberdade!
Liberdade!
Liberdade!
O rio sagrado e as pontes fazem versos
Liberdade!
E as duas margens fazem versos
O trovão, o redemoinho e as tormentas de minha pátria
Fazem versos comigo
Liberdade! Liberdade! Liberdade!

 

Fadwa Touqan (Palestina, 1917-2003).





 

 

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Poética Contraditória

 
 




      
     Poética Contraditória



Não digas o que sabes nos teus versos,
Deixa para trás a ciência e a consciência;
Tudo aquilo que em ti não for ausência
São ideais perdidos, ou submersos.



Abandona-te às vozes que não ouves,
E liberta os teus deuses nos teus dedos; Não busques os sorrisos, mas os medos,
E o que não for ignoto e só, não louves.

Ser misterioso e triste, é ser poeta:
Mesmo a luz que palpita nos teus cantos. É uma imagem heroica dos teus prantos.
Percorre o teu caminho até ao fundo,
E com os versos que achaste, aumenta o mundo.
Não sejas um escritor, mas um profeta.




António Quadros (Lisboa, Portugal, 1923-1993), in "Viagem Desconhecida".

Imagem: pintura de António Quadros (Viseu, Portugal, 1933- 1994).

 
 
    
























 
 
 
 
 





















terça-feira, 23 de setembro de 2014

Quando eu nasci

 
 
 
 
 

Quando eu nasci

 

Quando eu nasci,
ficou tudo como estava,
Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais...
Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.

As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...

P'ra que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe...

 

Sebastião da Gama (Vila Nogueira de Azeitão, Portugal, 1924 – Lisboa, Portugal, 1952).

 

 

 

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Homero

 
 

Homero viveu na Grécia no século oito a.C.

Existe pouca informação sobre o poeta, conjecturando-se sobre a sua existência física.

No entanto, sendo uma personagem real ou imaginária, são-lhe atribuídas duas das mais importantes obras da história da Antiguidade: “Ilíada” e “Odisséia”.

- “Ilíada”: narra a história de Aquiles e da sua contenda com o comandante Agamêmnon a respeito de Briseida, uma escrava troiana. O poema é composto por 15.693 versos.

- “Odisséia”: descreve em 24 cantos os dez anos em que Ulisses teve de defrontar monstros e gigantes, na terra e no mar, antes de regressar a Ítaca.

 

 Palavras (atribuídas ao poeta) de Homero:
“Os homens são como as ondas, quando uma geração floresce, a outra declina.”




Excerto do Livro XXIII - Odisséia

 

Às risadas a velha os joelhos move,
Celérrima a informar que é vindo Ulisses,
E a Penélope fala à cabeceira:
“Surge, anda, filha, a veres com teus olhos
O que tanto almejaste: eis bem que tardo,
Castigou teu marido os que, estragando
Casa e fazenda, o filho te oprimiam.”
E ela: “O Céu, que à vontade, ama Euricléia,
Do louco um sábio faz, do sábio um louco,
Transtorna-te a razão que te assistia.
Como! zombas de mim, que hei tantas penas,
E as pálpebras do sono me descerras,
Sono o mais saboroso dês que Ulisses
Foi-se à nefanda Tróia? Desce e vai-te.

Se outra com tais anúncios me acordasse,
Eu mais dura e severa a despedira;
Mas vale-te essa idade.” — A escrava insiste:
“Filha, de ti não zombo; em casa o temos;
É o hóspede que todos insultavam.(…)

 

Homero, in “Odisséia”
Tradução: Manoel Odorico Mendes (1799-1864)

 

domingo, 21 de setembro de 2014

A paz sem vencedor e sem vencidos

 
 
 
 
 
 
 
 
 

A paz sem vencedor e sem vencidos



Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Que o tempo que nos deste seja um novo
Recomeço de esperança e de justiça.
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Erguei o nosso ser à transparência
Para podermos ler melhor a vida
Para entendermos vosso mandamento
Para que venha a nós o vosso reino
Dai-nos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Fazei Senhor que a paz seja de todos
Dai-nos a paz que nasce da verdade
Dai-nos a paz que nasce da justiça
Dai-nos a paz chamada liberdade
Dai-nos Senhor paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

 
Sophia de Mello Breyner Andresen, in “Dual


sábado, 20 de setembro de 2014

Maya Angelou

 
 
 
 

Maya Angelou (1928-2014) nasceu em St. Louis, Missouri, Estados Unidos da América.
Poetisa, escritora, memorialista, historiadora, dançarina, professora,actriz, cantora, foi uma figura importante no Movimento pelos Direitos Civis na América.
Em 1905, foi membro de “Harlem Writers Guild”.
Em 2001, foi nomeada uma das 30 mulheres mais poderosas da América.
Escreveu seis autobiografias. A primeira, I Know Why the Caged Bird Sings, foi publicada em 1969.
ver tudo
ver artigo Igreja de St. Denis, Paris...
Em 2001, foi homenageada com a “Medalha das Artes” e em 2006, com a “Medalha Lincoln”.
Em 2011, Barack Obama concedeu-lhe a “Medalha Presidencial da Liberdade”, a maior honra civil da nação.
 

 
Palavras de Maya Angelou:

“O preconceito é um fardo que confunde o passado, ameaça o futuro e torna o presente inacessível.”


 
Sozinha

 
Meditando
Noite passada
Como buscar a alma uma casa
Onde a água não é sedenta
E o naco de pão não seja como rocha
A um fato vou me aproximando
Crendo não estar errada
Que ser nenhum
Senão, nenhum
Pode entender estar sozinha.

 
Sozinha, tão sozinha
Ser nenhum, senão nenhum
Pode entender estar sozinha.

 
Certos milionários com
Dinheiro que não usam
As esposas agitadas como o boitatá
Seus filhos cantando choro
Ele e seus médicos caros
Para curar corações de pedra.
Mas ser nenhum
Não, ser nenhum
Pode entender estar sozinha.

 
Sozinha, tão sozinha
Ser nenhum, senão nenhum
Pode entender estar sozinha.

 
Se escutar com atenção
Vou contar o que aprendi
Nuvens de negras se juntam
E o vento vai fluir
A raça humana em aflição
Eu ouço sua lamúria,
Porque, ser nenhum
Senão nenhum,
Pode entender estar sozinha.

 
Sozinha, tão sozinha
Ser nenhum, senão nenhum
Pode entender estar sozinha.

 
 
Maya Angelou
Tradução: Lucas Grosso