sábado, 24 de janeiro de 2015

ADOLFO SIMÕES MÜLLER - No tempo em que os homens falavam

 
 
 
 
 
 
 
 

Adolfo Simões Müller (Lisboa, Portugal, 1909-1989).

É reconhecido como um dos nomes mais relevantes da nossa literatura infantil.

Em 1926, com 16 anos, publicou o livro de poesia, Asas de Ouro.

Fundou e dirigiu “O Papagaio” (a primeira revista infantil portuguesa de banda desenhada), “Diabrete”, “Mundo de Aventuras”, ” Cavaleiro Andante “,“Zorro”.

Foi o autor do primeiro folhetim radiofónico: As Pupilas do Senhor Reitor.

Algumas das suas obras: A Pedra Mágica, A Princesinha Doente, O Capitão da Morte, Aventuras do Trinca- Fortes, O Príncipe do Mar.
 
 
 
 

No tempo em que os homens falavam

Quisera uma palavra virginal,
uma palavra em flor, novinha em folha
- minha, para meu uso pessoal,
em vez dos mil milhões que tenho à escolha…
As palavras perderam o sentido,
perderam os sentidos, num desmaio…
Se a gente pensa corpo, diz vestido;
e se diz música é trovão e é raio!
Depois, sabe-se tudo. Porco é tó…
Chefe etíope é rãs… Amor e ódio
são sinónimos… Letras gregas? É ró…
N-A é o símbolo do sódio…
Ai as palavras cruzam-se no espaço
(só o que é surdo e cego o não descobre):
eléctricos fluviais, ponto e traço
- como nos versos de António Nobre.
Há-de chegar um dia… Dor secreta:
onde li isto? Assim se gera o plágio.
Há-de chegar um dia que o poeta,
Impassível, assista ao seu naufrágio.
Nesse mundo sem versos e sem alma,
lembrar-se-á (allegro ma non troppo…)
quando os homens falavam: doce e calma
era de fábula, de Fedro e Esopo.
 
Adolfo Simões Müller, in “Moço, Bengala e Cão”
 
 
                                                                                               
 
 

                                                       

 

 
 

 

 

 

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