quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

CARTAS – Carta de Albino Luciani a Jesus Cristo

 
 
 
 
 
 
 
 


Albino Luciani (Canale d´Agordo, Itália, 1912 – Vaticano, 1978).

 Participou no Concílio Ecuménico Vaticano II, realizado em 1962 pelo Papa João XXIII, para discutir a adaptação da Igreja à modernidade.

No dia 26 de Agosto de 1978 foi eleito Papa, adoptando o nome de João Paulo I. Faleceu em 28 de Setembro do mesmo ano.
 
Homem humilde, de extrema delicadeza e humanidade, ficou conhecido como o “Papa Sorriso”.
 
Como Patriarca de Veneza, escreveu cartas fictícias para pessoas famosas, que foram publicados em livro, em 1976.
 
 
 
 Carta de Albino Luciani a Jesus Cristo (excertos)
 
 

Caro Jesus
 
Fui criticado. «É bispo, é cardeal – disseram – fartou-se de escrever cartas em todas as direcções: a M. Twain, a Péguy, a Casella, a Penélope, a Dickens, a Marlowe, a Goldoni e nem se sabe a quantos outros. E nem sequer uma linha a Jesus Cristo!».Tu bem sabes. Eu esforço-me por ter contigo um colóquio contínuo.
 
Traduzi-lo em carta é, porém, difícil; são coisas pessoais. E depois, tão pequenas! E ainda, o que hei-de eu escrever a Ti, de Ti, após todos os livros que sobre Ti foram escritos? E, além disso, existe o Evangelho. Como o relâmpago supera todos os fogos e o rádio todos os metais; como o míssil ultrapassa em velocidade a flexa do pobre selvagem, assim o Evangelho ultrapassa todos os livros.
 
Todavia, aqui está a carta. Escrevo-a a tremer, na condição de um pobre surdo-mudo, que se esforça por fazer-se entender, com o estado de alma de Jeremias que, enviado a pregar, Te dizia, cheio de relutância: “ Não passo de uma criança, Senhor; não sei falar!”. Pilatos apresentando-Te ao povo, disse: Eis o homem! Pensava que Te conheciam, mas nem sequer conhecia uma migalha do teu coração, que vezes sem conta e de inúmeras maneiras mostraste terno e misericordioso.
 
A Tua mãe. Na cruz, não quiseste partir deste mundo sem lhe ter encontrado um segundo filho para cuidar dela e disseste a João: “Eis aí a tua mãe”.
 
(…) Diante deste espectáculo de gente que acorre a um cruxificado desde há tantos séculos e de todas as partes do mundo, surge a pergunta: Trata-se só de um homem grande e benéfico ou de um Deus? Tu mesmo deste a resposta, e quem tiver os olhos não vedados por preconceitos e ávidos de luz aceita-a.
 
(…) Por mais que uma vez tentaram matar-Te como blasfemador, porque Te dizias Deus. Finalmente quando Te prenderam e levaram diante do Sinédrio, o Sumo- Sacerdote perguntou-Te solenemente: “És ou não o Filho de Deus?”. Tu respondeste: “Sou, e ver-me-eis sentado à direita do Pai”. Aceitaste a morte antes que desdizer e renegar esta Tua essência divina.
 
Escrevi, mas nunca fiquei tão descontente ao escrever como desta vez. Parece-me omitido o melhor daquilo que se podia dizer de Ti; disse mal aquilo que se devia dizer muito melhor. Resta uma consolação: O importante não é que uma pessoa escreva sobre Cristo mas que muitos amem e imitem a Cristo.
 
E, graças a Deus – apesar de tudo – isto acontece ainda.
 
Maio de 1974
Albino Luciani
 
 
Albino Luciani, in “Ilustríssimos Senhores”.

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