sábado, 28 de fevereiro de 2015

JOSÉ BENTO - Este é um dos Lugares

 
 
 
 
 
 

José Bento (Estarreja, Portugal, 1932).

É poeta e um excelente tradutor de muitos poetas de língua espanhola, tais como: Pablo Neruda, Quevedo, Juan de la Cruz, António Machado, Cervantes, Garcia Lorca, Unamuno.

Tem desenvolvido, ao longo de várias décadas, um trabalho excepcional na divulgação da poesia espanhola em Portugal.

É autor de várias colectâneas, entre elas: Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea (que abarca o séc. XX) e de dois volumes da Poesia Espanhola do "Siglo de Oro".

 

Este é um dos Lugares    

 
Este é um dos lugares (ou parte alguma?)
que nunca esperei ocupar ou ver sequer;
alheio em tudo, igual a tantos outros
que breves soube e de que nada guardo.

Um só espaço em verdade me pertence,
- meu berço, meu texto, meu legado:
a casa que é a mãe e viverá
enquanto eu não abdique do seu sangue.
Lá estou e serei: sou as paredes,

a escuridão que a procura e adormece,
sublimando-a tanto como a luz,
trave do seu lar frio e seu apelo,
pelas janelas vendadas defendida.
Batei à porta, chamai do seu jardim
devastado até não me ser senão lembrança:
lá dentro, responderei, embora aqui,
desde sempre à espera de ninguém.

 

José Bento, in “Silabário”


sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

BERNARDO SOARES - O peso de haver o mundo

 
 
 
 
 
 

Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros num escritório na cidade de Lisboa, onde viveu toda a sua modesta vida, conheceu Fernando Pessoa num pequeno restaurante frequentado por ambos.

Aproveitando a oportunidade desses encontros frequentes, Bernardo Soares pediu a Fernando Pessoa para ler o seu Livro do Desassossego.

 

Palavras de Bernardo Soares:

“Minha alma é uma orquestra oculta; não sei que instrumentos tange e range, cordas e harpas, timbales e tambores, dentro de mim. Só me conheço como sinfonia.”
 
 
 
 

O peso de haver o mundo


Passa no sopro de aragem
Que um momento o levantou,
Um vago anseio de viagem
Que o coração me toldou.

Será que em seu movimento
A brisa lembre a partida
Ou que a largueza do vento
Lembre o ar livre da ida?

Não sei, mas subitamente
Sinto a tristeza de estar
O sonho triste que há rente
Entre sonhar e sonhar.

 

Bernardo Soares (heterónimo ou semi-heterónimo de Fernando Pessoa).

 

 

 

 

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

REVISTAS LITERÁRIAS - ÁRVORE - folhas de poesia

 
 
 
 
 

Árvore - folhas de poesia (Lisboa, 1951-1953)

A revista Árvore, dirigida pelos poetas António Luís Moita, António Ramos Rosa, Luís Amaro, Raul de Carvalho e José Terra, foi uma publicação independente de movimentos literários, especializada em poesia, e aberta à divulgação de jovens poetas, assim como à discussão e à crítica de obras poéticas de várias tendências.

Naquele período coexistiam em Portugal vários movimentos literários e sociais, nomeadamente o surrealismo, o neorrealismo e o existencialismo.
 
Alguns dos seus colaboradores: Eduardo Lourenço, Egito Gonçalves, Mário Césariny, David Mourão Ferreira, Sophia de Mello Breyner, Jorge de Sena, Eugénio de Andrade, Natércia Freire, António Ramos Rosa, Matilde Rosa Araújo, Cristóvam Pavia, Rogério Fernandes.

 
A censura da época prejudicou gravemente a existência da revista, tendo sido apenas publicados 4 números.

 

 

 

 

 

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

POETAS DO FADO - ALBERTO JANES - Ao Poeta Perguntei

 
 
 
 
 

Alberto Janes (Reguengos de Monsaraz, Alentejo, Portugal, 1909 – Lisboa, Portugal, 1971).

Licenciou-se em Farmácia na “Faculdade de Farmácia do Porto”.
Poeta e compositor conhecido internacionalmente, foi o autor de muitos dos grandes êxitos cantados por Amália Rodrigues e um dos precursores do verso sem métrica para o fado.
Com o seu primeiro fado, Foi Deus, iniciou uma carreira de poeta de grande sucesso.
Outros títulos inesquecíveis, cantados por diversos fadistas: Vou Dar de Beber à Dor, Caldeirada, Lá na Minha Aldeia, Oiça lá ó Senhor Vinho, À Janela do Meu Peito.

 

Palavras de Alberto Janes:

 “ Eu era um pândego com muita habilidade para a música. Quando os meus pais me mandaram aprendê-la, mal ouvia uma melodia tocava-a logo – não precisava de papel. Isto aliado à preguiça, nunca aprendi. E só mais tarde e por conta própria o vim a fazer – para não ter de pedir aos amigos para passarem ao papel as minhas músicas.”
 
 
Ao Poeta Perguntei
 
Ao poeta perguntei
como é que os versos assim aparecem
disse-me só, eu cá não sei
são coisas que me acontecem
sei que nos versos que fiz
vivem motivos dos mais diversos
e também sei que sendo feliz
não saberia fazer os versos
Oh, meu amigo
não penses que a poesia
é só a caligrafia num perfeito alinhamento
as rimas são, assim como o coração
em que cada pulsação nos recorda sofrimento
e nos meus versos pode não haver medida
mas o que há sempre, são coisas da própria vida
Fiz versos como faz dia
a luz do sol sempre ao nascer
eu fiz os versos porque os fazia,
sem me lembrar dos fazer
como a expressão e os jeitos
que para cantar se vão dando à voz
todos os versos andam já feitos
de brincadeira dentro de nós
Assim amigo já vês que a poesia
não é só caligrafia, são coisas do sentimento!
 
 Alberto Janes

 
 

 


terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

OCTAVIO PAZ – Destino de poeta

 
 
 
 
 

Octavio Paz (Cidade do México, México, 1914-1998).

É um dos grandes poetas do movimento modernista.
Fundou a revista literária “avant-garde”, Barandal,  e escreveu, em 1933, o seu primeiro livro de poemas, Lua Silvestre.
Publicou, em 1950, O Labirinto da Solidão, um vigoroso ensaio de antropologia cultural do povo mexicano.
É considerado pela crítica especializada, um dos grandes poetas sul-americanos do século XX, junto com César Vallejo e Pablo Neruda.
Foi agraciado, em 1990, com o “Prêmio Nobel de Literatura”.

 

 

Palavras de Octavio Paz:

"A solidão é o fundo último da condição humana. O homem é o único ser que se sente só e que procura um outro."
 
 
 
Destino de Poeta
 
Palavras? Sim, de ar,
e no ar perdidas.
Deixa-me perder entre palavras,
deixa-me ser o ar nuns lábios,
um sopro vagabundo sem contornos
que o ar desvanece.
 
Também a luz em si mesma se perde.
 
Octavio Paz, in "Liberdade sob Palavra"
Tradução: Luis Pignatelli
 
 

 

 

 

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

CARTAS – Carta de Alexandre Herculano aos Eleitores do Círculo de Sintra

 
 
 
 
 
 
 

Senhores eleitores do círculo eleitoral de Sintra.
Acabais de me dar uma demonstração de confiança, escolhendo-me para vosso procurador no parlamento: sinto que me não seja permitido aceitá-la.
Se tal escolha não foi uma daquelas inspirações que vêm ao mesmo tempo ao espírito do grande número, o que é altamente improvável, porque o meu nome deve ser desconhecido para muitos de vós; se alguém, se pessoas preponderantes nesse círculo, pelo conceito que vos merecem, vos apresentaram a minha candidatura, andaram menos prudentemente, fazendo-o sem me consultarem, e promovendo uma eleição inútil.
(…) Duas vezes nos comícios populares, muitas na imprensa tenho manifestado a minha íntima convicção de que nenhum círculo eleitoral deve escolher para seu representante indivíduo que lhe não pertença; que por larga experiência não tenha conhecido as suas necessidades e misérias, os seus recursos e esperanças; que não tenha com os que o elegeram comunidade de interesses, interesses que variam, que se modificam, e até se contradizem, de província para província, de distrito para distrito, e às vezes de concelho para concelho.
(…) Durante meses, no decurso de dois anos, tive de vagar pelos distritos centrais e setentrionais do reino. Pude então observar amplamente quantas misérias, quanto abandono, quantos vexames pesam sobre os habitantes das províncias, principalmente dos distritos rurais, como o vosso, que constituem a grande maioria do país. Vi com dor e tristeza definhados e moribundos os restos das instituições municipais que o absolutismo nos deixara.
(…) Mas, pensando assim, como poderia eu, sem desmentir a minha consciência e as minhas palavras; sem trair a verdade, sem vos trair a vós próprios, aceitar em silêncio o vosso mandato? É honroso merecer a confiança dos nossos concidadãos, mas é mais honroso viver e morrer honrado.
(…) Não haverá no meio de vós um proprietário, um lavrador, um advogado, um comerciante, qualquer indivíduo, que, ligado convosco por interesses e padecimentos comuns, tenha pensado na solução das questões sociais, administrativas e económicas que vos importam; um homem de cuja probidade e bom juízo o trato de muitos anos vos tenha certificado? Há, sem dúvida. Porque, pois, não haveis de escolhê-lo para vosso mandatário?
(…) Permiti-me, senhores eleitores, que termine esta carta, já demasiado extensa, reiterando-vos os protestos da minha gratidão pela vossa bondade para comigo, e assegurando-os que, se me falece ambição para aceitar os vossos votos contradizendo as minhas opiniões, sobeja-me avareza para buscar não perder jamais um ceitil da vossa estima.

Alexandre Herculano
      Carta (excertos) de Alexandre Herculano (escritor, poeta e historiador português, 1810-1877) aos eleitores do círculo eleitoral de Sintra, in “Jornal do Commercio”, Lisboa, 1858.

 
 

 

domingo, 22 de fevereiro de 2015

ANNIE BESANT - Mantra da Unidade

 
 
 
 
 
 
 

Annie Besant (Londres, Inglaterra, 1847 – Madras, Índia, 1933).

Escritora, notabilizou-se como teósofa e defensora das reivindicações dos Hindus perseguidos pelas leis britânicas.
Foi presa, em Inglaterra, no período da 1ª Grande Guerra, sob a acusação de propagar ideais subversivos.
Ingressou na Ordem Maçónica Internacional “Le Droit Humain”.
Foi presidente da Sociedade Teosófica e a primeira mulher a ser Presidente do Congresso Nacional Indiano.
Em 1922, o poeta português Fernando Pessoa traduziu, sob o pseudónimo de Fernando de Castro, Introdução à Ioga, de Annie Besant.

Algumas das suas publicações: Frutos de Filosofia; Os Sete Princípios do Homem; As Quatro Grandes Religiões: Hinduísmo, Zoroastrianismo, Budismo e Cristianismo; A Teosofia e a Nova Psicologia; Karma.
 
 Palavras de Annie Besant:

“É por meio de símbolos que o homem pensa; e depois, a pouco e pouco, laboriosamente, resume com imperfeição os símbolos em palavras.”

 
              Mantra da Unidade


Ó vida oculta que vibras em cada átomo,
Ó luz oculta que brilhas em cada criatura,
Ó amor oculto que tudo abranges na unidade,
Saiba todo aquele que se sente uno contigo,
Que ele é, por isso mesmo, uno com todos os outros.


 


 
 
 

 
 

sábado, 21 de fevereiro de 2015

CAFÉS DE TERTÚLIA - Majestic

 
 
 
 
 
 

O Café Majestic inaugurado em 1921, situado na Rua de Santa Catarina, Porto, permanece um dos mais belos exemplares de Arte Nova.

Faz parte da história do Porto, o Porto das tertúlias políticas, sociais e filosóficas.

No Majestic respirava-se, então, um ambiente republicano.

Era frequentado por escritores, poetas, pintores e artistas, tais como: José Régio, António Nobre, Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra, Ângelo de Sousa, Jorge Pinheiro, Armando Alves, Gago Coutinho, Júlio Resende, Júlio Pomar.

É considerado um dos mais belos cafés do mundo.
 
  
Aspecto interior do Café Majestic
 
 
 
 

 

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

LILI MARLENE – Uma história de amor

 
 
 
 
 
 

                                             Lili Marlene

 

Em frente ao quartel, diante do portão
havia um  poste com um velho lampião
Se ele ainda lá estiver

Queremo-nos reencontrar
Queremos junto à sua luz ficar
Como outrora, Lili Marlene.

Nossas duas sombras pareciam uma só
Todos percebiam o amor que tínhamos
E toda a gente ficava a contemplar
Quando estávamos junto ao lampião
Como outrora, Lili Marlene.

Gritou o sentinela para avisar
Que soou o toque de recolher
 Um atraso pode- te custar três dias
Companheiro, já estou indo
E então dissemos adeus
Como gostaria de ir contigo
Contigo, Lili Marlene

 O lampião reconhece teus passos
Teu belo caminhar
 Ele ilumina tudo na noite
Mas há tempos esqueceu-se de mim
E, se algo de mau me acontecer

Quem vai estar junto ao lampião
Contigo, Lili Marlene?

Do alto céu, das profundezas da terra
Surge-me como em sonho teu rosto amado
Envolto na névoa da noite
Será que voltarei para o nosso lampião
Como outrora, Lili Marlene?

 

 
Lili Marlene: letra de Hans Leip e música de Norbert Schultze    

Hans Leip era soldado. Escreveu a letra em 1915, na Alemanha, durante a Primeira Guerra Mundial, inspirado na despedida da sua namorada Lili, duvidando da possibilidade de se voltarem a encontrar.

A interpretação de Marlene Dietrich popularizou a composição, traduzida para mais de 40 idiomas.

 

Imagem: Marlene Dietrich (1901-1992), pintura de Nara Rocha, Porto Alegre, Brasil.

 

 

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

PRÉMIO CAMÕES – 2007 – ANTÓNIO LOBO ANTUNES - Não disse nada amor

 
 
 
 





António Lobo Antunes (Lisboa, Portugal, 1942) é escritor e psiquiatra.
O “Prémio Camões” é o mais importante da literatura em língua portuguesa.

O júri deste ano reuniu-se na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Foi constituído pelos escritores Francisco Noa (Moçambique), João Melo (Angola), Fernando J.B. Martinho e Maria de Fátima Marinho (Portugal), Letícia Malard e Domício Proença Filho (Brasil).

A decisão do júri fundamentou-se “na mestria em lidar com a Língua Portuguesa, aliada à mestria em descortinar os recessos mais inconfessáveis dos homens, transformando-o num exemplo de autor lúcido e crítico da realidade literária”.

 

Palavras de António Lobo Antunes:

"A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê nunca será um povo de escravos."
 
 
 
Não disse nada amor
 
Não disse nada amor, não disse nada
Foi o rio que falou com a minha voz
A dizer que era noite e é madrugada
A dizer que eras tu e somos nós

A dizer os mil rostos de Lisboa
Ao longo do teu rosto, se te beijo
Á luz de um pombo, chamo Madragoa
E Bairro Alto ao mar, se te desejo

Não disse nada amor, juro, calei-me
Foi uma voz que ao longe se perdeu
Cuidei que era Lisboa e enganei-me
Pensei que éramos dois e sou só eu
 
António Lobo Antunes

 
 

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

NELLIE MELBA – “Melodies and Memories”

 
 
 
 
 

Nellie Melba (Richmond, Austrália, 1861- Sydney, Austrália, 1931).

Foi uma das mais famosas sopranos líricas dos fins do século XVIII e princípio do século XIX. Cantou em todos os principais teatros de ópera da sua época.

A sua primeira actuação foi em Bruxelas, com 26 anos de idade, no papel de Gilda na ópera “Rigoletto”, de Giuseppe Verdi.
Cantou durante muitos anos com o tenor italiano Enrico Caruso.

Publicou, em 1935, a autobiografia intitulada: Melodies and Memories. Neste livro, conta uma história com a actriz francesa Sarah Bernhardt, que mostra a Melba a importância da maquilhagem nas personagens que interpreta.
 
 


Palavras de Nellie Melba: 
“É fácil cantar.”
 


Melodies and Memories (excerto):
 
- “Bah! A tua maquilhagem parece a de uma menina de escola. Tu não tens a mínima ideia como se fazem estas coisas. Tens um ar demasiado inocente. Vou dar-te uma lição.”
 
Então Sarah põe a minha cara entre as suas mãos e começa a aplicar hábeis toques com um lápis vermelho e azul, com pó e batom, proibindo-me de olhar para o espelho até acabar a sessão.
Quando terminou, disse:
 
- “Voilà! Agora podes olhar, minha linda!”
 
Olhei para o espelho, e fiquei surpreendida com a transformação que Sarah tinha efectuado. Virei-me para ela e disse-lhe:
 
- “Ah! Se tu pudesses estar aqui todas noites para fazer isto!”
 
Nellie Melba