segunda-feira, 24 de agosto de 2015

ABEL BOTELHO – Amanhã

 
 
 
 
 
 

Abel Botelho (Tabuaço, Portugal, 1854 – Buenos Aires, Argentina, 1917).

Considerado um dos maiores nomes do Naturalismo português, ele próprio e a sua obra foram relegados ao esquecimento.

O grotesco é um registo estético dominante na ficção do escritor.

Pertenceu, desde 1881, ao Grupo do Leão, associação de pintores e artistas exteriores à Academia de Belas Artes de Lisboa, que partilhavam entre si uma enorme irreverência contra os poderes constituídos.

 

Excerto do romance  Amanhã:

 

 (…) Neste momento, rasgou áspero o ar o silvo estridente do tramway, que perto passava, na linha de cintura. Tão perto, que demorado reboou pelo recinto o seu estalido tremulante, o som ferralhado e cheio do seu rápido rodar. – E no mesmo instante o Matheus, como iluminado d’uma ideia súbita, erguendo de ímpeto a cabeça e deslaçando os braços:

     – Ah! ai têm vocês… Ouvem? Passou agora o tramway, uma das mais prodigiosas e fecundas aplicações da inventiva humana.

– Os caminhos-de-ferro rasgaram, galgaram as entranhas da terra por toda a parte; como uma teia de aranha colossal, a sua rede de aço liga e abarca o mundo. De continente para continente, de país para país, o sistema ferroviário forma actualmente a mais sábia e bem ordenada engrenagem, com uma correspondência perfeita de horários, analogias de material e as convenientes especializações de serviços.

Pois essa vastíssima organização, típica como modelo, de um rigor e de uma harmonia tão perfeita apesar da sua extensão imensa, do seu domínio internacional, funciona e exerce-se, – vêde bem!

– Sobranceira e independente às chamadas fórmulas políticas; não obedece a nenhum poder central; não tem parlamentos, nem reis, nem padres, nem fidalgos, nem guarda municipal.

Governa-se por si… individualmente nas questões regionais, colectivamente nos assuntos de universal interesse. E assim tudo vai perfeitamente! Não obstante faltar-lhe a consagrada tutelação do antigo, semelhante organismo mantem-se, regula e progride dum modo admirável. É espontâneo e é útil. O seu mecanismo é completo, porque a sua solidariedade é perfeita!

 

Abel Botelho

Imagem: pintura de artista desconhecido.

 

 
 

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