terça-feira, 18 de agosto de 2015

RAINER MARIA RILKE - Carta a um jovem poeta

 
 





Rainer Maria Rilke (Praga, República Checa, 1875 – Montreux, Suiça, 1927).
Reconhecido como um dos maiores poetas da língua alemã do século XX, a sua obra foi influenciada pelo Expressionismo.

 
Palavras de Rainer Maria Rilke :
“Na vida não há aulas para principiantes, exigem-nos logo o mais difícil.”


 
Carta a um jovem poeta
 
 
Paris, 17 de Fevereiro de 1903

 
Prezadíssimo Senhor,
Sua carta alcançou-me apenas há poucos dias. Quero agradecer-lhe a grande e amável confiança. Pouco mais posso fazer. Não posso entrar em considerações acerca da feição de seus versos, pois sou alheio a toda e qualquer intenção crítica.
Não há nada menos apropriado para tocar numa obra de arte do - que palavras de crítica, que sempre resultam em mal entendidos mais ou menos felizes. (…) Menos suscetíveis de expressão do que qualquer outra coisa são as obras de arte, - seres misteriosos cuja vida perdura, ao lado da nossa, efêmera.
Depois de feito este reparo, dir-lhe-ei ainda que seus versos não possuem feição própria somente acenos discretos e velados de personalidade. É o que sinto com maior clareza no último poema, "Minha Alma". (…)
Pergunta se os seus versos são bons. Pergunta-o a mim, depois de o ter perguntado a outras pessoas. Manda-os a periódicos, compara-os com outras poesias e inquieta-se quando suas tentativas são recusadas por um ou outro redator. Pois bem - usando da licença que me deu de aconselhá-lo peço-lhe que deixe tudo isso. O senhor está olhando para fora, e é justamente o que menos deveria fazer neste momento. Ninguém o pode aconselhar ou ajudar, ninguém.
Não há senão um caminho. Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto acima de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranquila de sua noite: “Sou mesmo forçado a escrever?" (…)
Não escreva poesias de amor. Evite de início as formas usuais e demasiado comuns: são essas as mais difíceis, pois precisa-se de uma força grande e amadurecida para se produzir algo de pessoal num domínio em que sobram tradições boas, algumas brilhantes. (…)
Utilize, para se exprimir, as coisas de seu ambiente, as imagens de seus sonhos e os objetos de suas lembranças. Se a própria existência cotidiana lhe parecer pobre, não a acuse. Acuse a si mesmo, diga consigo que não é bastante poeta para extrair as suas riquezas.
Para o criador, com efeito, não há pobreza nem lugar mesquinho e indiferente. Mesmo que se encontrasse numa prisão, cujas paredes impedissem todos os ruídos do mundo de chegar aos seus ouvidos, não lhe ficaria sempre sua infância, essa esplêndida e régia riqueza, esse tesouro de recordações? (…)
Mas talvez se dê o caso de, após essa descida em si mesmo e em seu âmago solitário, ter o senhor de renunciar a se tornar poeta. (…)
Restituo-lhe ao mesmo tempo os versos que me veio confiar amigavelmente. Agradeço-lhe mais uma vez a grandeza e a cordialidade de sua confiança.
Procurei por meio desta resposta sincera, feita o melhor que pude, tornar-me um pouco mais digno dela do que realmente sou, em minha qualidade de estranho.
Com todo o devotamento e toda a simpatia,
Rainer Maria Rilke
 
Rainer Maria Rilke, in “Cartas a um jovem poeta”
Tradução: Cecília Meireles
 
 
 
 

 

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