domingo, 13 de setembro de 2015

JOSÉ CARDOSO PIRES – O Príncipe Real

 
 
 
 
 
 

José Cardoso Pires (Vila de Rei, São João do Peso, Castelo Branco, Portugal, 1925 – Lisboa, Portugal, 1998).

Foi escritor, cronista, tradutor, professor e colaborador literário em diversos jornais e revistas.

 
Palavras de José Cardoso Pires:

“O pessimismo é uma defesa contra a desilusão.”

 
 
O Príncipe Real (excerto da crónica)

 
Se há jardim de Lisboa que me dê gosto maior é o do Príncipe Real.
Primeiro, por causa da árvore-mãe que tem ao centro, baixinha e de ventre antigo, e de ramagem tão extensa que dá abrigo a meio mundo.
Depois porque o conheci rodeado de poetas, uns em verso, outros em prosa: O' Neill morou-lhe quase em frente, na rua da Escola Politécnica, Vieira de Almeida mesmo ao lado, Ruy Cinatti na rua da Palmeira e Agostinho da Silva na Travessa do Abarracamento de Peniche que é um recanto pacífico para meditar.
Isso para não falar já do Poeta Real que se chamava Mendonça e que nunca escreveu coisíssima nenhuma na vida, pelo menos que se saiba. Fizémo-lo poeta, eu e alguns amigos, porque se passeava no jardim acompanhado dum pato negro, com a solenidade dum letrado do Olimpo.
Alguém que numa cidade se passeia com um pato é poeta ou tem alma disso.
No entanto, se nós, em vez de poeta, o tivessemos feito Príncipe Real também não ficaria pior porque condizia com a majestade com que ele atravessava a paisagem.
Finalmente o quiosque. Importante não esquecer o quiosque neste jardim porque ali se servia a melhor ginja-com-elas de Lisboa ao balcão da janelinha e sabiam-se enredos que se passavam a toda a volta.
Enjaulado no seu posto, o patrão da ginjinha, tabacos e lotarias, contava casos de sentimento, velhices adormecidas, drogados de aflição e tudo o mais que ocorria naqueles bancos à beira-relva.

 
 
José Cardoso Pires, in “A Cavalo no Diabo”.

Imagem: pintura de Minoru Nagashima (Takasaki,Tóquio, Japão, 1943).

 

 

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