sexta-feira, 23 de outubro de 2015

CRISTOVAM PAVIA - Ao meu cão

 
 
 
 

Cristovam Pavia (Lisboa, Portugal, 1933 – 1968).

Publicou, aos vinte anos, os seus primeiros poemas nas duas mais importantes revistas literárias desse período, a “Távola Redonda” e a “Árvore”.

Fez parte do núcleo central da revista “O Tempo e o Modo”, constituído pelos escritores : Nuno de Bragança, Alberto Vaz da Silva, Pedro Tamen, João Bernard da Costa e António Alçada Baptista.

Publicou, em 1959, 35 Poemas, a única obra poética editada em vida, na qual se reconhece a originalidade da sua poesia.

 
 O poeta José Bento escreveu sobre Cristovam Pavia:

"A poesia de Cristovam Pavia é a revelação de si próprio, de uma personalidade em conflito com o mundo em que vive e que procura uma fuga pela recuperação da infância morta, pela aceitação do seu conhecer-se diferente e despojado do que lhe é mais caro (a infância, o amor, o espaço e o tempo em que ambos se situavam), a transformação do seu próprio ser pelo sofrimento, num movimento de ascese e de autodestruição, quando o poeta atinge a consciência de si próprio e da sua voz.”

 

 Ao meu cão

Deixei-te só, à hora de morrer.
Não percebi o desabrigado apelo dos teus olhos
Humaníssimos, suaves, sábios, cheios de aceitação
De tudo... e apesar disso, sem o pedir, tentando
Insinuar que eu ficasse perto,
Que, se me fosse, a mesma era a tua gratidão.

Não percebi a evidência de que ias morrer
E gostavas da minha companhia por uma noite,
Que te seria tão doce a minha simples presença
Só umas horas, poucas.
Não percebi, por minha grosseira incompreensão,
Não percebi, por tua mansidão e humildade,
Que já tinhas perdoado tudo à vida
E começavas a debater-te na maior angústia, a debater-te com a morte.
E deixei-te só, à beira da agonia, tão aflito, tão só e sossegado.

 

Cristovam Pavia
Imagem: pintura de Syd Barret (Reino Unido, 1946 – 2006)

 

 

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