quarta-feira, 4 de novembro de 2015

CONTOS TRADICIONAIS DO POVO PORTUGUÊS – O Avarento

 
 
 
 
 

 
O Avarento

 

Havia n'uma terra um homem muito rico, e nenhuma mulher queria casar com ele porque tinha unhas-de-fome, e era um cheira vinténs. Uma rapariga mais esperta deixou-se conversar por ele, e quando veio a falar-lhe casamento, respondeu logo que sim! O velho ficou contente, mas disse:

— Menina! eu quero desenganá-la; olhe que na minha casa não se acende lume, e um vintém chega para todas as despesas da semana. Veja lá o que faz.

A rapariga, que tinha a sua travada, não tornou atrás com a palavra, e casaram. O velho não alargava os cordões á bolsa, dava por conta as castanhas, e o pão secava-o ao sol para ser mais duro e se comer menos.
Mas a rapariga, que era ladina, tratou mas foi de comer às escondidas; deu com um falso onde o velho tinha bastante dinheiro, comprava galinhas, depenava-as e guardava as penas em uma arca, para que o velho o não soubesse.
Assim ia andando, e estava gorda e rosada. O velho, que se mirrava e tinha a pele em cima dos ossos, admirava-se do que via, e disse-lhe:

— Sempre te vai muito bem na minha casa. Olha que as sopas de teu pai nunca te engordaram tanto.

A rapariga enjoada com a sovinice do velho, não teve mão em si, e respondeu:

— Você sempre é o pai da miséria! Se eu comesse só o que me dá, já tinha morrido umas poucas de vezes. Olhe, quer saber quem me dá estas cores? Veja esta arca.

E abriu uma grande caixa, que estava cheia até cima de penas de galinha:

— Tenho comido aquilo tudo!

O velho assim que tal viu, caiu para a banda com um ataque; levaram-no para a cama, e vieram os vizinhos aos gritos da mulher, que fingia que se lamentava. Assim que entraram no quarto, o velho ainda falava, mas só dizia o resto das frases que tinha ouvido:

— Tudo… a minha mulher… Come… Tudo a minha mulher.

Disse ela para os vizinhos:

— Sejam boas testemunhas, que meu marido diz que deixa tudo á sua mulher.

O velho morreu com a boca retorcida, e a mulher levantou-se com tudo o que havia em casa, e os parentes do velho ficaram a chuchar no dedo.

 

 


Imagem: pintura de Hieronymus Bosch (Holanda, 1450 -1516).

 

 
 

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