sábado, 14 de novembro de 2015

MARIA JUDITE DE CARVALHO - Tanta Gente Mariana

 
 
 
 
 
 
 
Maria Judite de Carvalho (Lisboa, Portugal, 1921 -1998).

 
Dedicou-se, especialmente, à novela e ao conto.

Publicou, em 1959, o livro Tanta Gente Mariana, uma colectânea de sete contos, que lhe valeu rasgados elogios da crítica e o reconhecimento imediato do público.

Organizou uma selecção de autores insertos em Os Mais Belos Contos da Literatura de Língua Portuguesa e participou na antologia Os Sete Pecados Mortais.

Sobre o livro de contos Palavras Poupadas, distinguido com o “Prémio Camilo Castelo Branco”, João Gaspar Simões, crítico literário, escreveu: «Não tem rival na nossa língua e é das páginas mais belas da nossa literatura novelística.»

 

 
Tanta Gente Mariana”: (excerto)

 

(…) “Uma noite dos meus quinze anos dei comigo a chorar. Não sei já qual foi o caminho que me conduziu às lágrimas, tudo vai tão longe, perdido na fita branca do passado. Só me recordo de que o pai me ouviu e se levantou. Sentou-se ao de leve na borda da minha cama, pôs-se a acariciar-me os cabelos, quis saber o que eu tinha.

- Estou só, pai. Não é mais nada. Dei porque estava só e isso pareceu-me… Que parvoíce, não é? Estou agora só! E tu então?

Tentei rir-me a tapar-me, já arrependida da franqueza, mas ele não colaborou e isso salvou-o da raiva que eu havia de lhe ter na manhã seguinte. Não se riu e a sua voz, quando veio, era muito doce, quase triste.

- Também deste por isso - disse brandamente – Também deste por isso. Há gente que vive setenta e oitenta anos, até mais, sem nunca se dar conta. Tu aos quinze… Todos estamos sozinhos, Mariana. Sozinhos e muita gente à nossa volta. Tanta gente, Mariana! E ninguém vai fazer nada por nós. Ninguém pode. Ninguém queria, se pudesse. Nem uma esperança.

- Mas tu, pai…

- Eu… As pessoas que enchem o teu mundo não são diferentes das do meu… No fundo é muito provável que algumas delas sejam as mesmas, mas aí está, se fosse possível encontrarem-se não se reconheciam nem mesmo fisicamente…

Como havemos de nos ajudar? Ninguém pode, filha, ninguém pode…

Ninguém pode….

 

Maria Judite de Carvalho

Imagem: pintura de Júlio dos Reis Pereira (Saúl Dias) (Vila do Conde, Portugal, 1902 -1983).

 

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