quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

ORLANDO NEVES - Só de Restos se Consagra o Tempo

 
 
 
 
 
 

Orlando Neves (Portalegre, Portugal, 1935 – Senhora da Hora, Matosinhos, Portugal, 2005).
Foi poeta, escritor, dramaturgo, cronista, jornalista, encenador, investigador, crítico e tradutor.
Publicou: Dicionário de Frases Feitas, Dicionário de Expressões Correntes, Dicionário da Origem das Palavras e Dicionário de Superstições.

 
Só de Restos se Consagra o Tempo

 Só de restos se consagra o tempo, força

 cerrada na inutilidade destas

 cores campestres, quando o sol em Novembro

 escurece os sobreiros. Só de restos me

 espera a cerimónia de viver,

 trânsito e transigência do silêncio,

 ocultado no meu corpo. Só de restos

 o trespassa o tempo, máscara e manto. Morro

 muito antes da morte, sem saber se os anjos

 foram gaivotas hirtas no piedoso

 musgos dos rios ou se hão-de ser maçãs

 ou ciência, loendros ou lembrança,

 inocentes, lúcidos sonos ou oblata

 de seda, a deus cedida, em pagamento

 da paz. Só do que chega ao fim, se corrompe

 e apodrece, se imagina o princípio,

 a majestade das coisas, o silêncio

 irrevelado que o corpo desconhece.

 

 Orlando Neves, in "Mar de que Futuro"

 

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