quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

ANTÓNIO BARBOSA BACELAR – A uma ausência

 
 
 
 
 
 

António Barbosa Bacelar (Lisboa, Portugal, 1610 – 1663).

A sua obra poética está principalmente publicada no Cancioneiro seiscentista português Fénix Renascida.

 

                      A uma ausência

 
Sinto-me  sem sentir todo abrasado

No rigoroso fogo, que me alenta,

O mal, que me consome, me sustenta,

O bem, que me entretém, me dá cuidado:

Ando sem me mover, falo calado,

O que mais perto vejo, se me ausenta,

E o que estou sem ver, mais me atormenta,

Alegro-me de ver-me atormentado:

Choro no mesmo ponto, em que me rio,

No mor risco me anima a confiança,

Do que menos se espera estou mais certo;

Mas se de confiado desconfio,

É porque entre os receios da mudança

Ando perdido em mim, como em deserto.

 

 

        António Barbosa Bacelar, in “Fénix Renascida”

 

 

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

FERNANDO GUIMARÃES - Sussurro

 
 




Fernando Guimarães (Porto, Portugal, 1928).

Poeta, ensaísta, tradutor, investigador e um dos mais especializados críticos de poesia portuguesa contemporânea.
É autor de uma bibliografia ensaística orientada sobretudo para as artes plásticas e para a cultura literária.
Trabalhou durante vários anos como investigador no “Centro de Literatura da Universidade do Porto”.
O estudo das revistas literárias portuguesas publicadas desde o Simbolismo foi um dos trabalhos que ali realizou.

 
Palavras de Fernando Guimarães:

“Os fracassos se tornam ensaios quando nossa vida vira um teatro!”

 
                                Sussurro

 
Isto é um poço. Há sempre quem nele se debruce. A água
continua a correr sem qualquer destino, e sabemos
como se afasta devagar para ser igual às vestes
caídas, talvez abandonadas. Assim tu podes ver
o que se confunde ali com a luz e, depois, se torna
mais nosso. Sem pressa aproximas-te agora desse espelho
vazio e sentirás que só a brisa desce até ficarmos
perto de alguns sulcos. Eles tornaram-se maiores, humedecidos.
Inclinas-te um pouco mais como se finalmente escutasses
uma confidência. Sabemos que é em vão porque ninguém se encontra ao teu lado e já não é suficiente o sussurro da água.

 

Fernando Guimarães, in “Limites para uma Árvore”

 


terça-feira, 29 de dezembro de 2015

ARMANDO CÔRTES-RODRIGUES - Vozes da Noite

 
 
 
 
 

Armando Côrtes-Rodrigues (Açores, Portugal, 1891 – 1971).

Poeta, escritor, dramaturgo e etnólogo.
Foi o autor do Cancioneiro Geral dos Açores e de Adágio Popular Açoriano.
Publicou versos saudosistas na revista “Águia”.

 

      Vozes da Noite

 
Vozes na Noite! Quem fala

Com tanto ardor, tanto afã?

Falou o Grilo primeiro,

Logo depois foi a Rã.

Pobre loucura dos homens

Quando julgam entendê-las…

Só eles pasmam os olhos

Neste encanto das estrelas…

Lá no silêncio dos campos

Ou no mais ermo da serra,

Na voz das rãs fala a água,

Na voz dos grilos a Terra.

Só eles cantam a vida

Com amor e singeleza,

Por ser descuidada, alegre;

Por ser simples, com beleza.

Pudesse agora dizer-te,

Sem ser por palavras vãs,

O que diz a voz dos grilos,

O que diz a voz das rãs.

 

Armando Côrtes-Rodrigues, in “Antologia Poética”

 

 
 

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

JOÃO PENHA - Nova Musa

 
 
 
 
 

João Penha (Braga, Portugal, 1838 – 1919).

Foi um dos mais activos membros da geração coimbrã que combateu os artificialismos da poesia ultrarromântica. É considerado o inovador do parnasianismo em Portugal.

 
Palavras de João Penha:
“O tédio é o infortúnio da gente feliz”


                     
                  Nova Musa
Sem pena alguma, sem amargo pranto,
A minha lira abandonei de outrora.
Oh! quantas vezes a minha alma cora
Das alegres canções que amara tanto!

Nem àqueles que me amam cause espanto
Se nesta fase em que me encontro agora,
Cercada a fronte dum clarão de aurora,
Eu, de Tenório me transforme em santo!

Que mudança, senhora, em mim fizeste:
O vate da alegria, ei-lo defunto;
Outro mais grave as suas formas veste!

Cantei o paio atroz, o vil presunto;
Agora és tu, só tu, musa celeste
A minha inspiração, o meu assunto!

 
João Penha, inNovas Rimas

 

domingo, 27 de dezembro de 2015

ANTÓNIO PATRÍCIO - Saudade do teu corpo

 
 
 
 
 
 

António Patrício (Porto, Portugal, 1878 – Macau, 1930)

A sua produção literária é composta de poesia, teatro e narrativa.
Foi dos escritores que melhor realizou a síntese do Saudosismo com o Simbolismo.

 
 Palavras de António Patrício:

"O que há de melhor no homem é a inquietação..."

 
    Saudade do teu corpo

 
Tenho saudades do teu corpo: ouviste

correr-te toda a carne e toda a alma

o meu desejo – como um anjo triste

que enlaça nuvens pela noite calma?...

 

Anda a saudade do teu corpo (sentes?...)

Sempre comigo: deita-se ao meu lado,

dizendo e redizendo que não mentes

quando me escreves: «vem, meu todo amado...»

 

É o teu corpo em sombra esta saudade...

Beijo-lhe as mãos, os pés, os seios-sombra:

a luz do seu olhar é escuridade...

 

Fecho os olhos ao sol para estar contigo.

É de noite este corpo que me assombra...

Vês?! A saudade é um escultor antigo!

 

António Patrício

 

sábado, 26 de dezembro de 2015

CÂNDIDO GUERREIRO - Minha Terra

 
 
 
 
Cândido Guerreiro (Alte, Algarve, Portugal, 1871 – Lisboa, Portugal, 1953).

Foi dramaturgo, jornalista e poeta pós-simbolista.

Distinguiu-se pelo apuro impecável dos seus sonetos.
Alguns dos livros publicados: Rosas Desfolhadas, Pétalas, Avé-Maria, Sonetos, Eros e Balada.

 

 
                 Minha Terra

Minha Terra embalada pelas ondas,
Lindo país de mouras encantadas,
Onde o amor tece lendas e onde as fadas
Em castelos de lua dançam rondas…

Oh meu Algarve, quero que me escondas…
Que na treva da morte haja alvoradas!
Hei-de sonhar com moiras encantadas,
Se eu dormir embalado pelas ondas…

Quando o sol emergir detrás da Serra,
Sempre será… da minha terra
A fecundar-me o chão da sepultura…

Ao pé dos meus, na minha aldeia querida,
A morte será quase uma ventura,
A morte será quase como a vida…

 

Cândido Guerreiro


sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

JOSÉ AGOSTINHO BAPTISTA - Inverno

 
 
 
 
 

José Agostinho Baptista (Funchal, Ilha da Madeira, Portugal, 1948).

É poeta e tradutor.
A sua poesia é reconhecida como uma das mais originais da actualidade.

 
O poeta António Ramos Rosa escreveu:

«José Agostinho Baptista é um poeta para quem a terra, e particularmente a ilha da Madeira, donde é natural, é um contorno existencial inseparável da subjectividade. Porém, esta profunda imersão na terra liga-se à própria ausência e a uma indefinível nostalgia cujo vazio o poema tenta preencher pela livre imaginação afectiva. É esta tensão entre a adesão existencial e a distância ou separação que existe no seio dela que faz de cada poema um apaixonado lamento, dilacerante mas sempre deslumbrante

 

Algumas das suas obras: Esta Voz é Quase o Vento, Deste Lado Onde, Quatro Luas, Biografia, Paixão e Cinzas.

 

 
Palavras de José Agostinho Baptista:

“Se às vezes, se em certos casos, a poesia imita a vida e a vida imita a poesia, então talvez cada verso seja uma linha da cabeça, uma linha do coração, uma linha da vida.”

 
      Inverno

 
O medo está no inverno.

O medo

bate nos olhos com as suas ferramentas negras e

depois anuncia a morte.

No inverno

penso na terra, no silêncio da terra e dos astros e

das rosas,

no teu grande silêncio, pai.

No inverno

volto-me para baixo, para os alicerces

do mundo.

No inverno

dizes de muito longe que não voltarás aqui.

 

José Agostinho Baptista

 
 

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

VEIGA SIMÕES - A Oração da Árvore

 
 
 
 
 
 

Veiga Simões (Arganil, Portugal, 1888 – Paris, França, 1954).

Foi escritor, poeta, político, investigador, diplomata, historiador e jornalista.
Teve uma brilhante carreira diplomática por diversas capitais estrangeiras.
Escreveu a partir de Berlim, entre 1933 e 1940, os relatórios que se encontram reunidos no volume: Correspondência de um diplomata no III Reich.

 
                   A Oração da Árvore

 
Tu que passas e ergues para mim o teu braço
Antes que me faças mal olha-me bem.
Eu sou o calor do teu lar nas noites frias de inverno
Ou sou a sombra amiga
Que tu encontras quando caminhas sob o sol de agosto
E os meus frutos são a frescura apetitosa
Que mata a sede nos caminhos.
Eu sou a trave amiga da tua casa,
A tábua da tua mesa,
A cama em que tu descansas
E o lenho do teu barco.
Eu sou o cabo da tua enxada,
A porta da tua morada,
A madeira do teu berço
E o aconchego do teu caixão.
Sou o pão da bondade e a flor da beleza.
Tu que passas olha-me bem
E não me faças mal.

 
Veiga Simões

 
O poema, A Oração da Árvore, está colocado em azulejos no Parque de Merendas, por iniciativa da Câmara Municipal de Arganil.
 
 
 

 
 


quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

EDUARDA CHIOTE - Fica Comigo

 
 
 
 
 

Eduarda Chiote (Bragança, Portugal, 1930).

Estreou-se na poesia, em 1975, com o livro Esquemas.
Ganhou o prémio “Teixeira de Pascoaes”, criado pela autarquia de Amarante, com a recolha poética O Meu Lugar à Mesa.

 

Palavras de Eduarda Chiote:

“Devo toda a clareza e tudo o que escrevo à escrita dos outros.”

 

Fica Comigo

Mãe,

arqueia os joelhos

para que o crepúsculo do medo

possa ceder ao berço

onde repouse.

E não me toques. Não me toques,

não me beijes.

Deixa-me permanecer aninhado no vazio

qual bicho de

sono.

Não me despertes.

Mãe, sou um menino de leite.

Apaga o seio.

Fica comigo: a noite

começa.

 

Eduarda Chiote, in “Antologia Poética”

 

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

FAUSTO GUEDES TEIXEIRA - Amar ou Odiar

 
 
 
 
 

Fausto Guedes Teixeira (Lamego, Portugal, 1871 – 1940).

Com dezasseis anos publicou o seu primeiro livro de versos, Os Náufragos.
Entre os trabalhos do poeta, interessa destacar Esperança Nossa e Carta a um Poeta, ambos editados em 1899.
A sua obra póstuma, editada em 1941, na qual está quase toda a sua produção poética, evidencia a qualidade literária do poeta de Entre Douro-e-Minho.

 

      Amar ou Odiar
 
 
 
Amar ou odiar: ou tudo ou nada!
O meio termo é que não pode ser.
A alma tem que estar sobressaltada
Para o nosso barro se sentir viver...

Não é uma cruz a que não for pesada,
Metade de um prazer não é um prazer;
E quem quiser a alma sossegada,
Fuja do mundo e deixe-se morrer!

Vive-se tanto mais quando se sente:
Todo o valor está no que sofremos.
Que nenhum homem seja indiferente!

Amemos muito como odiamos já:
A verdade está sempre nos extremos
Porque é no sentimento que ela está!



Fausto Guedes Teixeira

Imagem: busto de Fausto Guedes Teixeira inaugurado em 1944, na cidade de Lamego. É uma obra arquitectada por Rui Couto e António Couto e esculpida pelo artista Costa Mota Sobrinho.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

AMADEU TORRES – Poema a Ernesto Guerra da Cal

 
 
 
 
 

Amadeu Torres (Viana do Castelo, Portugal, 1924 – Braga, Portugal, 2012).

Foi linguísta, poeta, sacerdote e catedrático da Universidade Católica de Braga e da Universidade do Minho.
Deixou uma importante bibliografia sobre a cultura clássica de Portugal e sobre o gramaticalismo da língua portuguesa.
Foi consistente apoiante do Movimento Lusófono Galego.

 
 
Palavras de Amadeu Torres:

“Damião de Goes correu a Europa e eu fui atrás dele. Nos lugares onde ele esteve, eu estive também. Encontrei manuscritos, cartas, autógrafos, que me diziam já não existirem.”

 
 
Poema em homenagem a Ernesto Guerra da Cal (poeta galego)

 
 
Poeta irmão galego da Lusofonia,

A quem a aura moderna o Príncipe de Torres

Ficou devendo, nessas laudas pluriformes

Em que a sua língua e estilo nos mostrasse um dia:

 

Não pode saudar-te, nesta romaria

Intelectual, longe da terra que já dormes

O sono longo e último que deixa informes

Tantos projectos de mais prosa e mais poesia.

 

Mas não serás esquecido aqui, em Santiago

Cheia de tradições, história arte e vida,

Nesta amada Galiza e teu torrão natal:

 

Se já não em tua honra por sucesso aziago,

O Congresso é todo ele homenagem da vida

Ao Mestre e ao Escritor que tu és, Guerra da Cal!

 
 
Amadeu Torres