quarta-feira, 13 de abril de 2016

LUIZ PACHECO - Cesariny versus Breton







Luiz Pacheco (Lisboa, Portugal, 1925 – Montijo, Portugal, 2008).

Escritor, editor e crítico literário, foi um homem de personalidade invulgar. Irreverente, culto, livre-pensador. É uma das personalidades destacadas da literatura do século XX. É considerado um escritor maldito.



Cesariny versus Breton


Cesariny queixa-se que França é larápio porque lhe roubou a ideia de ter ido a Paris cheirar o rabo do Breton. Diz que quando lá chegou o rabo do Breton já estava tão cheirado pelo França que mesmo muito espremido não conseguiu arrancar-lhe o mais pequeno traque de surrealismo para trazer para Portugal.

Quando chegou a Lisboa já António Pedro implantara o Surrealismo Minhoto…

Estas e outras alegações se podiam ler num panfleto lançado, distribuído em Lisboa nos anos 50. Semianónimo: porque assinado por Delfim da Costa, dito o Cangalheiro da Cidade, que um investigador do Porto, Petrus, afirmava mais tarde ser um tal Margarido, escritor angolano pouco conhecido.

O episódio ali referido, ter Cesariny ido a Paris contactar André Breton e este ter-lhe dado com a porta na cara, é, porém, histórico.
Alertado por uma denúncia muito feia, vinda do A. Pedro, Breton encheu-se de pruridos machistas e não quis receber o jovem poeta português, ao tempo quase uma criança. Insólitos preconceitos! Principalmente, em quem tanto defendia o Amor Louco! Cesariny nunca lhe perdoou, era o que faltava.

Meio século a jurar vingança, viu-se na semana passada a resultante: Cesariny vem para o Instituto Franco-Português afirmar que «o limite do surrealismo, como dizia Breton, era sair à rua e matar toda a gente.»
Com toda a franqueza, não sei onde ele foi buscar essa: MATAR TODA A GENTE… Acho muito exagerado. Não será confusão com Alfred Jarry (Quando me tiver apoderado de todo o capital, matarei toda a gente e ir-me-ei embora)?

Mas o verdadeiro perigo não estará no Breton, morto e enterrado há que séculos, nem no Alface e na D. Agustina, que por estarem vivos são um sinal seguro de surrealismo lisboeta.

O perigo está no próprio Cesariny, confesso admirador do terrorismo e das Brigadas Baader-Meinhoff. À beira dos 80 anos, que tem ele a perder? Nada. Vai daí, apetece-lhe executar o velho desiderato: sair à rua e descarregar o revólver sobre a multidão, a matança, gratuita, o acto surrealista mais simples. Meu Deus, meu Deus, o senhor ministro Alberto Costa tem de tomar rápidas providências porque vão começar a rolar cabeças.






Luiz Pacheco, in “Diário Económico”, Lisboa, 29 de Maio 1996. Publicado no livro do autor, Figuras, Figurantes e Figurões.

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