segunda-feira, 4 de abril de 2016

MIKLÓS RADNÓTI - Céu espumante







Miklós Radnóti (Budapeste, Hungria, 1909 – 1944).  

Foi uma das figuras mais destacadas da lírica húngara.
Estreou-se com o livro Cumprimento Pagão, em 1930.

Participou na fundação da publicação vanguardista “Kortárs”.
Traduziu para húngaro poemas de Arthur Rimbaud, Stéphane Mallarmé, Paul Éluard, Guillaume Apollinaire e Blaise Cendrars.

Com a ocupação nazista da Hungria, é enviado, em 1944, para o campo de concentração de Bor. Durante a Marcha da Morte, através da Hungria, Radnóti foi executado e enterrado numa vala comum.

Quando o seu corpo foi exumado, ao fim de 18 meses, encontraram no bolso do casaco um bloco de notas com os seus últimos poemas, os quais foram publicados em 1946, com o título: Ceu espumante.      


         Céu espumante

No céu que espuma, a lua oscila.
Estar vivo me causa espécie.
A morte assídua espreita a Idade:
quem ela encontre, empalidece.
O ano grita e depois desmaia.
(Gritara olhando ao seu redor.)
Que outono ronda-me de novo?
Que inverno embotado de dor?
Sangrava o bosque; mesmo as horas
sangravam no vaivém dos dias.
Ventos riscavam, sobre a neve,
cifras enormes e sombrias.


Já vi de tudo; o ar me esmaga
com seu peso; um silêncio cresce
ruidoso, cálido e me abraça
como fez antes que eu nascesse.
Detenho-me junto de um tronco
que agita iroso as frondes plenas
e estende um galho. Há-de esganar-me?
Não é fraqueza ou medo – apenas
cansaço. Calo. E o galho apalpa
os meus cabelos, mudo, aflito.
Cabe esquecer – mas não há nada
de que já tenha me esquecido.
Espuma afoga a lua; o miasma
estria os céus, verde e agressivo.
Sem pressa, enrolo com cuidado
o meu cigarro. Eu estou vivo.



Tradução: Nelson Ascher

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