quarta-feira, 4 de maio de 2016

CONFERÊNCIAS CIENTÍFICAS - O alho







CONFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
(Para os alunos dos liceus)


O ALHO


O alho, vegetalmente falando, é um tempero. Todos os meninos e meninas que me escutam sabem que é ele, se não o condimento principal da açorda, aquele que lhe dá o gostinho especial tão do agrado dos nossos paladares.

Encontra-se o alho profusamente espalhado na natureza e em especial nos mercados, como o da Praça da Figueira e o do Aterro, não sendo também raro encontrar-se nos ceirões dos vendedores ambulantes e ainda aos ombros destes, dispostos em séries, que se denominam réstias.

Do alho só se aproveita, para uso doméstico, a cabeça; as outras partes do corpo desprezam-se.

De todos os temperos, é o alho o mais inteligente; diz-se “esperto como um alho” e não esperto como uma cebola, como a salsa, como a pimenta, etc.

“Sou um alho” significa que sou um barra, uma luminária ou outro objecto qualquer de reconhecido talento.

É certo que se diz dos parvos que são “cabeças de alho”, mas nesta expressão está subentendida a palavra “podre”, porque as cabeças de alhos podres é que já não servem para nada.

Possui o alho uma anomalia anatómica muito de notar e é que não tem crânio nem faces, mas dentes unicamente, apresentando ainda a particularidade de nunca os mudar, de ter uma única dentição; pelo que o alho não sofre nunca daquelas impertinentes rabugens infantis, que se atribuem aos primeiros dentes.

Referimo-nos nestas ligeiras considerações ao alho civilizado, ao que a cultura tornou propício à conveniência do homem; há, contudo, também o alho selvagem ou bravo, cujo nome popular é igual ao de certo general italiano, que se não pode dizer adiante de meninos nem, muito principalmente, de meninas. Sabê-lo-ão a seu tempo.

Sem mais por hoje
             
                                                                                Bonaparte
                                                                  (Aluno do Liceu Camões).




Fonte: HML – “Século Cómico” nº 975, de 10 de Julho de 1916, suplemento humorístico do jornal “O Século”.

Sem comentários:

Enviar um comentário