sábado, 18 de junho de 2016

CONFERÊNCIAS CIENTÍFICAS – O chapéu de chuva e o de sol






CONFERÊNCIAS CIENTÍFICAS – O chapéu de chuva e o de sol
(Para uso dos alunos dos liceus)


Podemos definir do modo seguinte o chapéu de chuva; é o chapéu de sol, quando o tempo está chuvoso. Vice-versa; chapéu de sol é o chapéu de chuva quando o tempo está de sol.
Conhecido assim o objecto de que me vou ocupar, passarei a descrever aos meus pequenos e inteligentes ouvintes a sua origem, importância e tudo o mais que convém saber.

O chapéu de chuva, antes de ser o que é, foi bengala simplesmente, cuja existência, como se sabe remonta à mais apagada antiguidade, pois foi primeiro usada pelo nosso pai comum, o chimpanzé, ou o homem dos bosques, que a ela se encostava por ser fraco das pernas.

De posse de tal auxiliar, num dia em que chovia a potes, o homem reparou que a bengala de nada lhe servia contra as cordas de água que o açoitavam. Tirou um lenço da algibeira, pô-lo na cabeça, imaginando que assim a livraria da molha, mas em breve se convenceu da ineficácia do remédio. Desesperado, agarrou no lenço e, para não encharcar a algibeira, em vez de o meter ali pendurou-o na ponta da bengala.

- Cá está o que me vai livrar da chuva! – exclamou logo, atravessando-lhe o cérebro um raio de génio.

Inventado assim o chapéu de chuva, o de sol seguiu-se-lhe sem esforço, repetida a experiência feita com o lenço.

É claro que, com o andar do tempo se notou que um lenço não tinha o tamanho suficiente para defender o individuo e, ainda lá mais para diante, se reconheceu que um pedaço de pano a bambolear na ponta de um pau só muito imperfeitamente servia de resguardo, daí a invenção das varetas.

Quanto à importância do chapéu de chuva, basta que nos lembremos que foi ele, por assim dizer, o ceptro do primeiro presidente que teve a República Portuguesa. Mas, ainda há mais: o Viático, quando saía à rua, era sempre resguardado pela umbela, chovesse ou não, estivesse sol ou não estivesse. 

E encarando esse objecto sob o aspecto comercial, digam-me: como poderiam fazer negócio as lojas de chapéus de chuva se os não houvesse? Esses pequenos galegos que por aí percorrem a gritar «conxerta tchapéus de sol» como poderiam concertá-los se eles não existissem?

Agora, duas palavras sobre o mais que convém saber neste assunto. 

Quando forem a um teatro, a qualquer sítio onde concorra muita gente e tenham que deixar o guarda chuva no bengaleiro, tenham mil cautelas quando o forem buscar, porque a troca é facílima: se lhe derem outro não o aceitem se for inferior ao seu ou pelo mau estado ou porque seja de fazendo pior.

Aconselho a que, quando andem pela rua com o guarda chuva fechado, debaixo do braço e a ponteira para a frente, nunca a metam pelo olho de quem vier em sentido contrário, sem que em seguida peçam desculpa, para não passarem por mal educados. 

Se o levarem aberto e junto dos meninos passar outra pessoa também de guarda chuva aberto façam o possível por que sejam as pontas das varetas do seu que rasguem a fazenda do parceiro e não as de este que rasguem os dos meninos.

E até para a semana; porque é tarde e estou com muita pressa de ir ali ao teatro República ver o Ferreira a fim de verificar se ele seria capaz de fazer o carroceiro da revista do Éden. Estou que não.

                                                                                                          
        Bonaparte                                                         
  
 (Aluno do Liceu Camões)


in “Século Cómico” de 1916, suplemento humorístico do jornal “O Século”.


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