quinta-feira, 9 de junho de 2016

JEAN GENET – E a tua ferida, onde está?






Jean Genet (Paris, França, 1910 – 1986).

Escritor, poeta e dramaturgo.
Filho de pai desconhecido, tendo passado, na adolescência, pelos tribunais, toma, na literatura, o desforço enraivecido de inverter os valores morais, santificando o que seja revolta e traição, e, por outro lado, investindo contra as mentiras sociais.

Os ambientes e linguagem desta obra estariam mesmo à margem da arte se o que fica de aparência de bem, mesmo nas maiores monstruosidades, não encontrasse qualidades expressivas atendíveis a quem se não indignar contra o cinismo e a abjecção.

Graças a Cocteau e, sobretudo, a Sartre (Saint Genet, commédien et martyr), obteve foros de cidadania de que parecia afastado.

Algumas das suas obras: Nossa Senhora das Flores, Os Negros, Os Biombos, A Varanda, Alta Vigilância, As Criadas.



Fonte: Enciclopédia de Cultura.


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Em 1949, publicou a sua autobiografia, com o título Journal De Voleur.


Palavras de Jean Genet:
“O que precisamos é de ódio, Dele nascerão as nossas ideias.”



E a tua ferida, onde está?


Pergunto onde fica,
em que lugar se oculta a ferida secreta
para onde foge todo o homem
à procura de refúgio
se lhe tocam no orgulho, se lho ferem?

Esta ferida
— que fica assim transformada em foro íntimo —
é que ele vai dilatar, vai preencher.

Sabe encontrá-la, todo o homem,
ao ponto de ele próprio ser a ferida,
uma espécie de secreto
e doloroso coração.

Se observarmos o homem ou a mulher
que passam com olhar rápido e voraz
— e também o cão, o pássaro, uma panela —
a velocidade do olhar é que nos mostra,
ela própria e com rigor máximo,
que ambos são a ferida
onde se escondem mal sentem o perigo.

O quê?
Já lá estão, já os conquistou
— deu-lhes a sua forma —
e para ela a solidão:
lá estão inteiros no retesar de ombros
em que passam a concentrar-se,
com toda a vida a confluir na ruga maldosa da boca,
e contra a qual nada podem nem querem,
pois dela é que sabem esta solidão absoluta,
Incomunicável — este castelo da alma —
para serem a própria solidão.

È visível no funâmbulo que refiro,
no olhar triste
que deve reportar-se às imagens de uma infância miserável,
inesquecível,
em que ele teve consciência
de ser abandonado.



Jean Genet, in “O Funâmbulo”
Tradução: Aníbal Fernandes

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