domingo, 9 de outubro de 2016

O JORNALISMO É UM AGENTE DESTRUIDOR





O JORNALISMO É UM AGENTE DESTRUIDOR


O jornalismo, longe de ser, como devia, uma alavanca
de progresso, um guia de civilização, - é um agente destruidor. 

Corre parelhas com a anemia que empobrece o sangue nos grandes centros sociais, e pode-se afirmar, sem receio de severidade, que colabora de camaradagem com a sífilis nos arranjos prévios para o grande trambolhão final da sociedade portuguesa. 

O artigo de fundo cretiniza o cérebro, a local educa o espírito do povo num hálito reles de mexerico organizado como instituição. 

Funda-se um jornal para explorar as inclinações más do público, para esconder as torpezas de um partido, para colorir as delapidações de um banco, para conseguir uma cadeira de deputado em S. Bento. Por via de regra, o jornal português começa por não ter gramática e acaba por não ter dignidade. 

O jornalista deveria ser um réprobo, em vez de ser simplesmente um desprezado. Temos razões para avançar a que não seria mau riscá-lo do número dos cidadãos efectivos, estabelecê-lo dentro dum cordão sanitário de repulsão geral, como aos leprosos da idade média. 

Tu, leitor, que nunca puseste pé na redacção de um jornal, - o lôbrego antro da alquimia intelectual, - estás naturalmente saturado das tradicionais declamações jornalísticas, ligas decerto um valor devoto a essa frase senil com que desde tempos imemoriais se tem por costume definir a missão dos modernos Paracelsus: - o sacerdócio da imprensa.

A imprensa não é um culto, é uma especulação; na imprensa não há sacerdotes, há ratos de sacristia. 

Enquanto a França tinha a sua imprensa organizada, franqueando as suas portas a um número diminutíssimo de iniciados, - Portugal criava o jornal a dez reis, - uma vergonha! - arvorava como redactores principais os marçanos pouco diligentes na pesagem das quartas de manteiga, que coonestavam a sua mandriice com a calúnia da inspiração, - e derramava pelo povo, a título de instrução rudimentar, uma torrente diluviana de sandices.

De resto, a calinada é anónima, bem como a calúnia: o jornalista insulta e difama, da mesma forma que comete erros de sintaxe, - impunemente, destemidamente. Há uns laivos de fantástico arrojo de ânimo neste digladiar titânico contra o pudor da gramática e contra o pundonor do cidadão inviolável, - segundo a Carta, - atrás da responsabilidade legal de qualquer sujeito que bem longe está de compreender a subtileza de uma alusão infame ou a irregularidade da construção de um período.

Os artigos são monstruosidades retóricas sem gramática nem senso comum. O noticiário é uma parte de polícia, esmaltada de rubricas em que predominam o - Antes assim - e o - Podia ser fatal -. De resto, nem uma fantasia, nem uma surpresa: é a eterna sopa, vaca e arroz da literatura dia a dia.




Eduardo de Barros Lobo (escritor), in VESPAS - Revista mensal de crítica - Janeiro de 1880. 





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