domingo, 4 de dezembro de 2016

O DINHEIRO NÃO TRAZ FELICIDADE





O Dinheiro Não Traz Felicidade


Só e triste vivia o pobre marceneiro. Sem parentes, morava ele na sua loja humilde, trabalhando dia e noite para ganhar o que mal lhe bastava para sustentar-se. Mesmo assim, porém, conseguia economizar cinquenta cruzeiros cada mês. No fim do ano, com 600 cruzeiros juntos, lá ia ele para a lotaria e comprava um bilhete inteiro. 

Os que sabiam de sua mania riam dele, mas ele acreditava que era através da lotaria e não do trabalho que iria fazer-se independente. 

E assim foi. No quinto ano de sua insistência junto à lotaria, esta lhe deu cem mil contos. Surgiram fotógrafos e repórteres dos jornais, surgiram os amigos para participar do jantar que ele ofereceu para comemorar sua sorte. Fechou imediatamente a loja e, daí em diante, sua vida foi uma festa contínua. Saía em passeios de lancha pela manhã, à tarde ia para os bares, à noite para as boites e cabarés, sempre cercado por amigos entusiásticos e senhoras entusiasmadíssimas. 

Mas, está visto, no meio de tanta entusiasmo, o dinheiro não durou um ano. E, certo dia, vestido de novo com suas roupas humildes, o nosso marceneiro voltou a abrir sua humilde loja para cair de novo no seu trabalho estafante e monótono. 

Voltou a economizar seus cinquenta cruzeiros por mês, aparentemente mais por hábito do que por desejo de voltar a tirar a sorte grande, o que, aliás, parecia impossível. 

Os conhecidos continuavam zombando dele, agora afirmando-lhe que a oportunidade não bate duas vezes. No caso de nosso marceneiro, porém, ela abriu uma excepção. Pois no terceiro ano em que comprava o bilhete, novamente foi assaltado pelos amigos e repórteres que, numa algazarra incrível, festejavam sua estupenda sorte.

Mas, desta vez, o marceneiro não ficou contente como quando foi sorteado pela primeira vez. Olhou para os amigos e jornalistas com ar triste e murmurou: " Deus do céu; vou ter que passar por tudo aquilo outra vez!?"

Moral: Para muita gente dá um certo cansaço ter que comparecer à festa da vida.




Millôr Fernandes, escritor, poeta, humorista, dramaturgo, jornalista (Rio de Janeiro, Brasil, 1923 – 2012), in “Pif-Paf”.

Imagem:pintura de Van Gogh (Holanda, 1853 – França,1890).



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