terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

JOSÉ AGOSTINHO BAPTISTA - Despedida





JOSÉ AGOSTINHO BAPTISTA
(Madeira,Portugal,1948)

Poeta e tradutor


Os seus primeiros escritos foram publicados no final dos anos 60 no Suplemento Juvenil do “Diário de Lisboa”. 
Poeta na linha dos poetas românticos ingleses, fez traduções e colabora na revista “Ler”.

Algumas das suas obras: Deste Lado onde, Jeremias o Louco, O Último Romântico, O Centro do Universo, Paixão e Cinzas, Debaixo do Azul, sob o Vulcão, Filho Pródigo.
n “Portugueses Célebres”


***

Palavras
de
José Agostinho Baptista

“É terrível quando as pessoas, hoje, não sabem se está sol ou chuva, não olham o céu... Olham o ecrã da televisão, esse animal monstruoso, que roubou quase tudo ao homem.”


DESPEDIDA


Uma harpa envelhece.
Nada se ouve ao longo dos canais e os remadores
sonham junto às estátuas de treva.
A tua sombra está atrás da minha sombra e dança.
Tocas-me de tão longe, sobre a falésia, e não sei se
foi amor.
Certo rumor de cálices, uma súplica ao dealbar das
ruínas,
tudo se perdeu no solitário campo dos céus.
Uma estrela caía.

Esse fogo consumido queima ainda a lembrança do
sul, a sua extrema dor anoitecida.
Não vens jamais.
O teu rosto é a relva mutilada dos passos em que me
entristeço, a absoluta condenação.
Chove quando penso que um dia as tuas rosas floriam
no centro desta cidade.
Não quis, à volta dos lábios, a profanação do jasmim,
as tuas folhas de Outubro.
Ocultarei, na agonia das casas, uma pena que esvoaça,
a nudez de quem sangra à vista das catedrais.
O meu peito abriga as tuas sementes, e morre.
Esta música é quase o vento.



in “Paixão e Cinzas” 

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