A CARICATURA
Já lá vão muitos anos.
Rafael Bordalo Pinheiro
começava a traçar umas figuras grotescas, finamente lançadas, com uma gracil
intenção irónica.
Era o inicio do grande
caricaturista que depois, durante o período de 1878-1899, de enorme degradação
política e moral, se afirmou um grande destruidor de várias porcarias políticas
e literárias.
Rafael Bordalo encontrava
Alexandre Herculano na livraria Bertrand e o notável historiador, com bonomia
perguntou a Rafael Bordalo, um rapazote, o que andava ele por ali a fazer.
Bordalo explicou a
Herculano que tinha planeado a publicação d'um álbum de caricaturas que expusessem
à curiosidade do público as maiores individualidades da nossa terra.
O historiador achou excelente
a ideia, e com aquele seu feitio catedrático, tanto à moda do tempo, desatou a expor
ao jovem caricaturista… a história da caricatura. Foi essa exposição rodeada de
lances eruditos. Herculano afirmava que a caricatura é antiga, muito mais
antiga que a coluna de Pasquino, mas que tem uma função nova nas sociedades
modernas, entregues á triunfante democracia, porque visa a destruir pelo
ridículo as individualidades perniciosas que o preconceito engendra.
Rafael depois de ouvir com
atenção a erudita conversa de Herculano, tirou do bolso uma carteira, e da
carteira uma caricatura de um grotesco achincalhador.
- Sr. Herculano - disse Rafael
- para começar o meu álbum lembrei-me de começar por esta caricatura... que é a
de V.Exª , diga-me se o ofendo com ela. - E mostrou a caricatura ao
historiador.
Herculano fitou a
caricatura, corou porque ali se via amesquinhado nas suas ambições de grande
homem; mas não quis confessar o seu desgosto ao rapaz que o expunha na ponta do
seu lápis à hilaridade pública, e limitou-se a dizer a Bordalo:
- Claro está que me não ofende,
porque se me ofendesse... dava-lhe dois pontapés.
E ficou-se com a recôndita
vontade de lhos dar.
Carneiro de Moura
in “A Farça ”- quinzenário humorístico ilustrado – 25
de Janeiro de 1910.
Imagem: caricatura de Alexandre Herculano por Rafael
Bordalo Pinheiro (1870).
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