segunda-feira, 31 de julho de 2017

AMÁLIA – A Sagração

 
 
 
AMÁLIA RODRIGUES
(Lisboa, Portugal, Julho de 1920 – Outubro de 1999)

 
A SAGRAÇÃO

Os automóveis, poucos àquela hora, vão parando lentamente. Grupos de populares, em semicírculo, juntam-se silenciosos defronte de um pequeno prédio na Rua de São Bento, em Lisboa: o número 193. São cinco da madrugada.

O céu começou a clarear e a cidade a recortar-se. Mulheres e homens adiam o caminho, suspensos, ali, por uma voz em ecos abissais. O ambiente ganha vibrações fantasmáticas.

Pouco antes de morrer, Amália, Amália Rodrigues, a genial cantora do século XX, refugia-se, doente, nos seus discos, que repete continuamente, obsessivamente – contra a dor e a inquietação. As últimas noites são passadas assim. Sem dormir, ela ouve-se, ouve-se, e a voz sai pelas janelas, e envolve os que passam, maravilhando-os, dilatando-os.

Uníssona, a multidão rebentará depois em aplausos, desconcertando Amália, que se ergue, se dirige à varanda, se acena sob sorrisos e lágrimas. Milagres aconteceram-lhe sempre, que inexplicável lhe foi o destino – sempre.

 

Fernando Dacosta – “Amália – Ressurreição”


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