quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

PAUL ÉLUARD - A poesia será feita por todos...



PAUL ÉLUARD
(França, 1895 – 1952)

Poeta

A POESIA SERÁ FEITA POR TODOS...

Os verdadeiros poetas jamais acreditaram que a poesia lhes pertencesse exclusivamente. Na boca dos homens, a palavra jamais se extinguiu: as palavras, os cantos, os gritos sucedem-se sem fim, cruzam-se, chocam-se e confundem-se. O impulso da função-linguagem foi levado ao exagero, atingiu a exuberância e a incoerência. As palavras dizem o mundo e dizem o homem, o que o homem viu e sente, o que existe, o que existiu, o que existirá, a antiguidade do tempo, o passado, o futuro da idade e do momento, o voluntário e o involuntário, o medo e o desejo do que não existe, do que vai existir. As palavras destroem, as palavras predizem, encandeadas ou sem ordem - é inútil negá-las. Elas participam todas na elaboração da Verdade.

Os objectos, os factos, as ideias que elas descrevem podem extinguir-se por falta de vigor, mas logo serão substituídos por outros objectos, factos e ideias que as próprias palavras acidentalmente suscitarem realizando assim a sua inteira evolução.

Os homens devoraram um dicionário e o que eles nomeiam existe. O inominável, o fim de tudo só começa na impensável fronteira da morte. Pouco importa saber quem fala e pouco importa mesmo o que diz. A linguagem é comum a todos os homens e não são as diferenças de línguas, por mais prejudiciais que se nos afigurem, que arriscam comprometer gravemente a unidade humana, mas muito mais esse interdito eternamente formulado, em nome da razão prática, contra a liberdade absoluta da palavra. 

Passam por loucos os que ensinam que há mil maneiras de ver um objecto, de o descrever, mil maneiras de dizer o seu amor, a sua alegria e a sua dor, mil maneiras de nos entendermos sem partir sequer um ramo da árvore da vida. Inúteis, loucos, malditos os que revelam, reproduzem, interpretam a humilde voz que se queixa ou que canta na multidão, sem saber que ela é sublime. Ah! não, a poesia pessoal não morreu ainda.

Mas, pelo menos, nós compreendemos que nada pode romper o frágil fio da poesia impessoal. Nós compreendemos, sem duvidar um instante desta verdade que triunfará, que inúmeras coisas podem ser «todo um poema».

«Todo um poema», já não é apenas um objecto tosco ou a excentricidade duma elegante presumida, mas o que é dado ao poeta para simular, reproduzir, inventar, se ele crê que do mundo que lhe é imposto nascerá o universo que ele sonha. Não há nada de raro nem de divino no seu trabalho banal... O poeta, na mira das obscuras notícias do mundo, restituir-nos-á as delícias da mais pura linguagem, a do homem da rua e do sábio, da mulher, da criança e do louco. 

Se o quiséssemos, só haveria maravilhas. Escutemo-las sem reflectir e respondamos, pois seremos entendidos. Se não, apenas seremos espelhos partidos e, desejosos de rectificar as aparências, poetizaremos, perderemos a primeira e elementar vista das coisas, neste espaço e tempo que são nossos.

Se quiséssemos, nada nos seria impossível. O mais fraco de nós, como o mais rico, tem a possibilidade de nos oferecer com o trabalho das suas mãos e a confiança dos seus olhos um inestimável tesouro, os seus sonhos e a sua realidade, que razão, bom senso, maldade, não chegam a destruir. 

A poesia involuntária, por mais banal, imperfeita e grosseira que possa ser, é feita das relações entre a vida e o mundo, entre o amor e a necessidade. Ela produz a nossa emoção e dá ao nosso sangue a ligeireza do fogo. Todo o homem é irmão de Prometeu.
Nós não temos uma inteligência particular, nós somos seres morais e situamo-nos na multidão.



in “Árvore – folhas de poesia” – revista literária publicada em Lisboa, entre 1951 e 1953.

Imagem: retrato de Paul Éluard por Salvador Dalí

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