sábado, 14 de abril de 2018

AMÉLIA REY COLAÇO – “Mãe Coragem”



AMÉLIA REY COLAÇO
(Lisboa, Portugal, 1898 - 1990)
Encenadora, actriz, empresária

***

Em 1955 veio uma grande aventura, a Companhia Rey Colaço Robles Monteiro teve a sua apresentação parisiense, integrando-se no Festival Internacional du Théâtre des Nations, representando, no Théâtre Hébertot, em 21 de Junho, Tá Mar, o poema de costumes da Nazaré, um deslumbramento de linguagem teatral de Alfredo Cortez, que é, sem dúvida, o mais importante dramaturgo português do século XX, portanto a mais acertada das escolhas. (…)

AMÉLIA REY COLAÇO:

Foi mesmo uma aventura. Recebemos aquele honroso convite de nos apresentarmos no Festival, em Paris, e achámos que podíamos levar até lá um bonito espectáculo. Mas não tínhamos subsídios para transportar a Companhia, artistas e técnicos, com o SNI [Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo] não podíamos contar, que nos disse logo que não tinha dinheiro, pois não íamos representar oficialmente Portugal, éramos uma Companhia privada. (…)

Arranjámos então uma grande camioneta, para levar artistas, técnicos, trajos, cenários, e lá fomos rumo a Paris. (…)

Na véspera do nosso espectáculo, apresentou-se o Berliner Ensemble, com o Círculo de Giz Caucasiano, do Bertolt Brecht [1898-1956], e eu fiquei assombrada, era um espectáculo de uma tal beleza que nem consegui dormir toda a noite, só pensava como é que depois de um tão maravilhoso conjunto, de tais cenários e actores, íamos ter a coragem de nos apresentar ao público de Paris. Até havia uma recepção, julgo que organizada pelo Festival, e eu podia ter conhecido o Brecht, mas estava esmagada por aquela representação, e como tínhamos espectáculo no dia seguinte, não fui.

Mas felizmente o Tá Mar correu muito bem. E na véspera o Brecht esteve o tempo todo à minha volta, no Théâtre Sarah Bernhardt, e ele sabia quem eu era e eu apetecia-me tanto falar com ele, mas como sou um bocado tímida, não tive coragem.

Depois fiz tudo, mas tudo, para representar a Mãe Coragem, estão aí as cartas que o comprovam, e tentei várias vezes, em vários anos. A Mãe Coragem era a ambição máxima da minha carreira, pelo papel, pela peça, pelo Brecht, que era um autor que eu julgava ser minha obrigação dar a conhecer ao público português, mas sempre me recusaram. Foi triste porque lutei muito, mas era talvez uma ambição demasiada, Meteu-se o Erwin Meyenburg, que era alemão, e também nada conseguiu. Até fui ao Festival de Avignon ver a Mère Courage, encenada pelo Jean Vilar.

E mandei fazer várias traduções, foi uma enorme luta, começada em Dezembro de 1955 e mais forte em 1958 e 1959, até que tive de renunciar, disseram-me do Ministério, com firmeza, que aquele texto não se podia representar no Teatro Nacional, que era uma peça anti-militarista e nós tínhamos uma guerra.

E eu via-me naquela mulher, passando por todas as humilhações, sempre puxando a sua carroça, indiferente a tudo. Considero esta derrota da Mãe Coragem a maior derrota de toda a minha carreira como actriz e como empresária. Sofri muito por causa dessa peça. 

Ainda bem que foi representada pela nossa grande Eunice Muñoz, uma actriz que começou comigo aos treze anos e na qual me orgulho de logo ter pressentido o génio [5 de Junho de 1986]. Em todos os meus anos de teatro, que foram muitos, foi ela o único génio que me passou pelas mãos.


in “O Veneno do Teatro ou conversas com Amélia Rey Colaço" (excertos) 
Autor: VÍTOR PAVÃO DOS SANTOS (Lisboa, Portugal, 1937), teatrólogo, museólogo e biógrafo.


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