segunda-feira, 14 de maio de 2018

EUGÉNIO DE ANDRADE - Nota breve sobre o pintor JÚLIO RESENDE



EUGÉNIO DE ANDRADE
(Fundão, Póvoa de Atalaia, Portugal, 1923 — Porto, 2005) Poeta

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JÚLIO RESENDE
(Porto, Portugal 1917 — Valbom, Gondomar, 2011)
Pintor

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Nota breve sobre o pintor JÚLIO RESENDE

Quando há pouco mais de dois anos entrei na pequena galeria da Portugália do Porto e deparei com os trabalhos que Júlio Resende expunha então, lembro-me nitidamente de ter pensado que me encontrava diante de uma coisa rara na pintura portuguesa - um artista que nos falava não só à nossa sensibilidade como também à nossa inteligência, sem transigir com sentimentalidades, e, ao mesmo tempo, sem se desprender das raízes do homem, da nossa carne, das nossas vísceras. E mais ainda - um artista moderno, utilizando corajosamente, conscientemente, as correntes estéticas mais subversivas; não por moda ou anti-tradicionalismo, mas por uma necessidade de ser do seu tempo, por uma exigência funda de lutar contra a morte.

Não era difícil ver isso naqueles treze quadros, que patenteavam uma aventura viril, feita de esforço e de sonho, de insatisfação e de liberdade. De um lado tudo isto e do outro o pintor Júlio Resende, sentado a um canto da sala, só, seguindo com os olhos atentos um ou outro visitante, que mal entrava logo saía, alheio àquela luta ardente - tentar meter o cosmos em dois metros quadrados de tela.

Júlio Resende não desanimou com aquela indiferença e continuou enriquecendo a pintura portuguesa moderna com algumas das suas obras mais europeias. Ele sabe que há anjos e snobs. Que há gente para quem a Arte é um puro divertimento, uma distracção. E sabe também que haverá sempre gente para quem o universo harmonioso de um Picasso, de um Braque, de um Apollinaire; de um Neruda, de um Bartok, não é senão caos e imperfeição.

A esses será sempre necessário lembrar as palavras de Da Vinci: “O grande amor nasce do conhecimento profundo da coisa que se ama: e, se tu não a conheces, não podes amá-la ou só a amarás muito superficialmente”.



in “Sísifo” – poesia e crítica 1951








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