domingo, 3 de junho de 2018

FERNANDA DE CASTRO – Ao Fim da Memória



FERNANDA DE CASTRO
(Lisboa, Portugal, 1900 – 1994)
Escritora

***

Haverá coisas mais estranhas do que gostar sem saber de quem? Quando se é novo gosta-se porque a alegria nos habita como uma presença a que damos, quase sempre erradamente, o nome de alguém.

Mais tarde, quando a mocidade passa, gosta-se mais, como se todas as horas fossem as da despedida, mas a vida já nos ensinou que há trigo e que há joio e já não pomos facilmente um nome à ansiedade que vive em nós – não como dantes vivia a alegria, mas como podia viver um pássaro cativo a que tivessem cortados as asas.

Haverá, na verdade, que mereça a dádiva total do amor ou da amizade? Quem seja capaz de resistir à tentação das pequenas traições quotidianas, das omissões voluntárias, das mentiras a que chamamos piedosas?
Chove. Está uma noite de vento e de lama. Por onde andarão as estrelas?



in “Ao Fim da Memória”




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