terça-feira, 10 de julho de 2018

FAUSTINO XAVIER DE NOVAIS – Saudades!



FAUSTINO XAVIER DE NOVAIS
(Porto, Portugal, 1820 - Rio de Janeiro, Brasil, 1869)
Poeta, dramaturgo, jornalista

***

Trocou o ofício de ourives pelo de folhetinista.
Em 1852 fundou o jornal de poesia O Bardo, que se publicou até 1855. Em 1858 emigrou para o Brasil, dedicando-se ao comércio e às letras. Dramaturgo satírico, estreou-se com a sátira Aos Janotas (1849) e com a comédia Cenas da Foz.

in “Livro dos Portugueses”

***


Saudades!

Tenho saudades
Desses tempos que lá vão!
Quando à porta do quinteiro
Eu jogava o meu pião;
Quando no campo corria
Cum papagaio na mão.

Oh, que então eram, na terra,
Tudo venturas para mim!
Meu pai me dava biscoitos,
Minha mãe beijos sem fim;
Minha avó me defumava
De manhã, com alecrim.

Por entre os prados amenos
Como, contente, eu saltei
Com meu chapéu de dois bicos
Que dum papel arranjei,
E em grosso pau a cavalo,
Mais orgulhoso que um rei!

De ser cristão, nessa idade,
Tendo já nobre altivez,
De papelão com a mitra
Que o mano António me fez,
Ao pé da minha igrejinha
Bispo fui por muita vez.

Nos inocentes folguedos
Eu via o tempo voar;
Se um dia vinha um sopapo
Que me obrigava a chorar,
Depois, de mimos coberto,
Eis-me a rir, eis-me a brincar.

Meu pião idolatrado,
Que será feito de ti?
Papagaio da minh'alma,
Há que tempo te não vi!
Doces biscoitos de outrora,
Quem mos dera agora aqui!

Meigos beijos, inocentes,
Como ainda me lembrais!
Cheirosos defumadores,
Que saudades me inspirais!
Meu lindo chapéu de bicos,
Não me enfeitarás jamais.

 Grosso pau em que montava,
Em cinzas, talvez, será.
A mitra, com que fui bispo,
Esfarrapada foi já.
E a minha bela igrejinha
Em que mãos hoje estará!

Da infância a negra saudade
Que à desgraça. me reduz,
A minh'alma espevitando
Tem quase apagada a luz:
Só vivo até que meu peito,
As escuras, diga: truz!




2 comentários:

  1. Era assim o original:

    RECORDAÇÕES DA INFANCIA

    Saudades!... Tenho saudades
    D'esses tempos que lá vão!
    Quando á porta do quinteiro
    Eu jogava o meu peão;
    Quando no campo eu corria,
    C'um papagaio na mão!

    Oh! que então era, na terra,
    Tudo prazer, para mim!
    Meu pae me dava biscoitos,
    Minha mãe beijos sem fim;
    Minha avó me defumava,
    De manhã, com alecrim!

    Por entre os prados amenos
    Como, contente, eu saltei,
    Com meu chapeo de dois bicos
    Que d'um papel arranjei,
    E em grosso pau a cavallo,
    Mais orgulhoso que um rei!

    De ser christão, n'essa idade,
    Tendo já nobre altivez,
    De papelão com a mitra
    Que o mano Antonio me fez,
    Ao pé da minha igrejinha,
    Bispo fui por muita vez!

    Nos innocentes folguedos
    Eu via o tempo voar;
    Se um dia vinha um sopapo
    Que me obrigava a chorar,
    Depois, de mimos coberto,
    Eis-me a rir, eis-me a brincar!

    Meu peão idolatrado,
    Que será feito de ti?...
    Papagaio da minha alma,
    Ha que tempo te não vi!
    Dôces biscoitos d'outr'ora,
    Quem m'os dera agora aqui!...

    Meigos beijos, innocentes,
    Como ainda me lembraes!
    Cheirosos defumadouros,
    Que saudade me inspiraes!
    Meu lindo chapeo de bicos,
    Não me enfeitarás jámais!

    Grosso pau em que eu montava,
    Em cinzas, talvez será!
    A mitra, com que fui bispo,
    Esfarrapada foi já!
    E a minha bella igrejinha,
    Em que mãos hoje estará!

    Da infância a negra saudade,
    Que á desgraça me reduz,
    A minha alma espivitando,
    Tem quasi apagada a luz;
    Só vivo até que meu peito,
    Ás escuras, diga: - truz!

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  2. Não sei em que livro da Escola Primária estava este poema. Mas ainda o sei de cor, de uma ponta à outra!

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