sábado, 21 de julho de 2018

JÚLIO POMAR – Picasso - «Guernica»



JÚLIO POMAR
 (Lisboa, Portugal, 1926 - 2018)
Pintor

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Picasso - «Guernica»

A posição de «Guernica» na obra de Picasso é a sua primeira olhadela deitada ao mundo em que os homens vivem, amam, sofrem, morrem ou são mortos. Em Picasso, um novo caminho se abria: o caminho da tragédia actual. Os fragmentos avulsos de que se servia tinham encontrado tempo e lugar.

E agora, não era só a Espanha que sofria, era a Europa inteira a experimentar o tacão nazi. Toda a Europa se tornava vítima da suprema tourada, colhida a levada ao desespero. Goelas abertas, punhos cerrados, dentes enormes, afiados como quando saíram do caos, olhos sem órbitas faziam os últimos apelos, exalavam ódio em toda a linha, - em toda a Europa. Pavor, devastação e morte, em toda a Europa. «Guernica» em mil e uma cidades e aldeias da Europa.

A tragédia espanhola dera sentido à obra de Picasso. A tragédia mundial iria permitir que Picasso orientasse ainda mais a sua actividade, no sentido de uma cada vez mais franca comunhão com os sofrimentos de todos os homens? Aos factos brutais que arrancaram Picasso à sua solidão e originaram «Guernica», vinham sobrepor-se outros, não menos brutais. A realidade ganhava formas insofismáveis. O significado histórico de «Guernica», de todas as Guernicas, tornava-se dia a dia mais cru. Os homens já não tinham lugar para dúvidas.

O solitário Picasso iria, como «Guernica» indicava, trocar a sua solidão pelo convívio com as dores comuns? O tempo presente manteria, nas suas telas, a posição conquistada por «Guernica»? Qual poderia ser a índole dessas novas obras, geradas em meio desta nova grande guerra, destruidora dos mitos e das condescendências? Qual a reacção dos brônquios de Picasso a este ar tão diferente do da sua solidão?



in “Mundo Literário” – 1946 (excerto)
Imagem: pintura de Carlos Botelho



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