sexta-feira, 31 de agosto de 2018

ANTÓNIO JOSÉ FORTES - O Poeta em Lisboa



ANTÓNIO JOSÉ FORTES
(Póvoa de Santa Iria, Portugal, 1931 – Lisboa, 1988)
Poeta

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Poeta ligado ao movimento surrealista, integrou o chamado "Grupo do Café Gelo".
Algumas das suas publicações: 40 Noites de Insónia de Fogo de Dentes Numa Girândola Implacável e Outros Poemas, Uma Faca nos Dentes, Corpo de Ninguém.

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O Poeta em Lisboa

Quatro horas da tarde.
O poeta sai de casa com uma aranha nos cabelos.
Tem febre. Arde.
E a falta de cigarros faz-lhe os olhos mais belos.

Segue por esta, por aquela rua
sem pressa de chegar seja onde for.
Pára. Continua.
E olha a multidão, suavemente, com horror.

Entra no café.
Abre um livro fantástico, impossível.
Mas não lê.
Trabalha - numa música secreta, inaudível.

Pede um cigarro. Fuma.
Labaredas loucas saem-lhe da garganta.
Da bruma
espreita-o uma mulher nua, branca, branca.

Fuma mais. Outra vez.
E atira um braço decepado para a mesa.
Não pensa no fim do mês.
A noite é a sua única certeza.

Sai de novo para o mundo.
fechada à chave a humanidade janta.
Livre, vagabundo
dói-lhe um sorriso nos lábios. Canta.

Sonâmbulo, magnífico
segue de esquina em esquina com um fantasma ao lado.
Um luar terrífico
vela o seu passo transtornado.

Seis da madrugada.
A luz do dia tenta apunhalá-lo de surpresa.
Defende-se à dentada
da vida proletária, aristocrática, burguesa.

Febre alta, violenta
e dois olhos terríveis, extraordinários, belos.
Fiel, atenta
a aranha leva-o para a cama arrastado pelos cabelos.



in”Uma Faca nos Dentes”





quinta-feira, 30 de agosto de 2018

JOSÉ DE CASTRO - Actor



JOSÉ DE CASTRO
(Paço de Arcos, Portugal, 1931 - Lisboa, 1977)
Actor

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José de Castro parecia, por vezes, saído de uma peça de Shakespeare. Era um ser que transportava o mistério, e quem o transporta mostra-se indefinido e trágico, e desprotegido.

A vida que a natureza transmite, sobrepôs a que a inteligência modela. A sua foi, desde muito novo, de invenção, de projecção. Uma parte dela fez-se-lhe secreta-jogo de espelhos levando para o exterior de si reflexos de si, como se não tivesse existência precisa.

Dominava como poucos a técnica da imposição, do convencimento, do envolvimento. Possuía a capacidade da transfiguração, de ser o que interpretava, de fazer os outros acreditar no que comunicava. O seu segredo não estava tanto no que dizia, mas na maneira como dizia; não na reflexão que despertava, mas na hipnose que gerava.
Sabia que a acção só resulta se emanar do desejo, do sonho por ela. 

Foi passeando pelas ruas de Paço de Arcos, e Paço de Arcos mostrava-se nesses anos um espaço com tempos, que arquitectou muito do que viria a ser a sua utopia.

Humanista e universalista, comungava a diversidade da vida, do amor, da sensualidade. Deixava-se, sem embaraço, conquistar pelas pessoas, pela música, pela comida, pelos odores, pelas cores.


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ARY DOS SANTOS dedica a José de Castro, em evocação prestada no ano de 1983, este soneto vibrante:

      OLHOS DE TRAGÉDIA
          
                        «Tinhas no rosto as máscaras antigas
                         da poesia e da farsa. Da comédia
                         Tinhas por vezes nardos e urtigas
                         Nos teus olhos velados de Tragédia.

                         Despojado de tudo tu soubeste
                         dar a Todos aquilo que nos falta.
                         O talento maior com que acendeste
                         As tuas próprias luzes da ribalta.

                         Mas o teu coração era ternura.
                         Na tua voz corria a água pura
                         Da inocência não. Mas da verdade.

                         Resta de ti a ilha de um tesouro
                         Meu Irmão: a memória quando é de outro
                         não é saudade não. É amizade»



in ”JOSÉ DE CASTRO – Fotobiografia” – FERNANDO DACOSTA (Caxito, Angola, 1945), romancista, dramaturgo, jornalista.









quarta-feira, 29 de agosto de 2018

MARGUERITE YOURCENAR - Nunca serei vencida



MARGUERITE YOURCENAR
(Bélgica, 1903 – EUA, 1987)
Escritora, poetisa, tradutora

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As obras literárias de Yourcenar são notáveis pelo seu estilo clássico, a sua erudição e subtileza psicológica. Nos seus livros mais importantes, recria eras e personagens do passado, meditando sobre o destino humano, a moralidade e o poder. 
A sua obra prima Memórias de Adriano é um romance histórico sobre as memórias fictícias do imperador do século II. Outro romance histórico, A Obra ao Negro é uma biografia imaginária de um alquimista e erudito do século XVI. 

Em 1981 seria a primeira mulher eleita para a Academia Francesa.
Não se assumindo como fazendo parte de nenhuma corrente literária, Marguerite Yourcenar é mundialmente consagrada como uma das maiores escritoras contemporâneas.

in “O Leme” (excertos)


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NUNCA SEREI VENCIDA

Nunca serei vencida.
Não o serei
senão à força de vencer.

Cada armadilha estendida
fechando-me cada vez mais
no amor
que acabará por ser o meu
túmulo,
acabarei a minha vida numa cela
de vitórias.

Sozinha,
a derrota encontra chaves,
abre portas.

A morte,
para atingir o fugitivo,
tem de se pôr em movimento,
perder essa fixidez
que nos faz reconhecer
que ela é o duro contrário
da vida.

Ela dá-nos o fim do cisne
atingido em pleno voo,
de Aquiles agarrado pelos cabelos
por não sabermos que sombria Razão.

Como a mulher asfixiada no vestíbulo
da sua casa de Pompeia,
a morte não faz mais do que prolongar
no outro mundo os corredores
da fuga.

A minha morte será
de pedra.

Conheço as passagens,
as curvas,
as armadilhas,
todas as minas da Fatalidade.

Não posso perder-me.

A morte,
para me matar,
terá necessidade da minha
cumplicidade.



Tradução: Maria da Graça Morais Sarmento










terça-feira, 28 de agosto de 2018

THÉOPHILE GAUTIER - Primeiro sorriso da primavera



THÉOPHILE GAUTIER
(França, 1811 – 1872)
Poeta, critico de arte

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Foi o precursor da escola parnasiana na poesia francesa.

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Primeiro Sorriso da Primavera

Enquanto os homens, com suas obras perversas,
Ofegantes correm
Malgrado os aguaceiros…
Março, que ri, prepara em seguida a primavera.

Para as alvas e pequenas margaridas,
Quando tudo adormecido está,
Dissimuladamente ele, mais uma vez, repassa a gola
E amarelos ranúnculos.cinzela.

No pomar e na vinha
Lá se vai, furtivo barbeiro,
Com uma borla de cisne
A amendoeira, na geada, polvilhar.

Descansa, no leito, a natureza.
Sobre ele desce um jardim deserto
Enlaçando os botões de rosa
Em seu espartilho de veludo verde.

Tudo são solfejos
Que aos melros, à meia noite, silva
Nos prados campainhas brancas semeia
Nos bosques, violetas.

Sobre o agrião da fonte
Onde bebe o cervo, a orelha em pé,
Com a mão oculta, do lírio-do-vale
Os guizos d’ouro debulha.

Sob a erva, pra que a colha,
O morango de tom vermelho põe
E te trança um chapéu de folhas
A proteger-te do sol.

Em seguida, concluída a tarefa,
Vendo o fim de seu reinado.
Ao limiar de Abril, voltando a cabeça
Lhe diz: “Podes vir, ò primavera”!



Tradução: Cunha e Silva Filho











segunda-feira, 27 de agosto de 2018

ARY DOS SANTOS - Minha Mãe Que Não Tenho



ARY DOS SANTOS
(Lisboa,  Portugal, 1937-1984)
Poeta, declamador

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Minha Mãe Que Não Tenho

Minha mãe que não tenho  meu lençol
de linho  de carinho de distância
água memória viva do retrato
que às vezes mata a sede da infância.

Ai água que não bebo em vez do fel
que a pouco e pouco me atormenta a língua.
Ai fonte que não oiço  ai mãe  ai mel
da flor do corpo que me traz à míngua.

De que Egito vieste?  De qual Ganges?
De qual pai tão distante me pariste
minha mão  minha dívida de sangue
minha razão de ser violento e triste.

Minha mãe que não tenho  minha força
sumo da fúria que fechei por dentro
serás sibila  virgem  buda  corça
ou apenas um mundo em que não entro?

Minha mãe que não tenho inventa-me primeiro:
constrói a casa  a lenha e o jardim
e deixa que o teu fumo  que o teu cheiro
te façam conceber dentro de mim.





domingo, 26 de agosto de 2018

FERNANDO GRADE - Os miolos, as moscas e os lábios defronte de uma garrafa



FERNANDO GRADE
(Estoril, Portugal, 1943)
Poeta, pintor, cronista

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Foi um dos fundadores, em 1964, do movimento “Desintegracionista” e é o criador da "Teoria das Multidões" e das "Colagens Perversas". Tem vários trabalhos de crítica de arte, publicados em diversos jornais.

O primeiro livro de poesia que publicou data de 1962 – Sangri – e desde então tem publicado diversos livros da sua autoria ou com participações suas. Neste âmbito, foram-lhe atribuídos vários prémios literários.

in “Centro Português de Serigrafia”(excertos)

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Os miolos, as moscas e os lábios defronte de uma garrafa
Há muitos anos que a garrafa está vazia.
Chega alguém e belisca os miolos
por a garrafa estar vazia.
Aparece outro e morde os lábios, ri-se de prazer
por a garrafa estar vazia.
O terceiro bate à porta e não diz nada,
apenas enxota as moscas
pousadas na rolha da garrafa.



sábado, 25 de agosto de 2018

ALBERT SCHWEITZER - Uma luz para o mundo



ALBERT SCHWEITZER
(Alemanha, 1875 - Gabão, 1965)
Médico, filósofo
                                
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Aos 38 anos, Albert Schweitzer surpreendeu a família, os amigos e a comunidade académica da Europa. Doutor em filosofia, teologia, medicina e música, o professor alemão deixou para trás uma posição confortável e segura na Europa, em 1913, e seguiu para a vila de Lambaréné, na África Equatorial Francesa (hoje Gabão).

Lá iria construir um hospital para a população, tão necessitada como em qualquer outra colónia europeia. Trinta e nove anos depois de sua partida, em 1952, Schweitzer receberia o “Prémio Nobel da Paz”, não apenas pelo imenso trabalho assistencial que desenvolveu, mas também por seus elogiados estudos e concorridas conferências alertando sobre o perigo das armas nucleares.

Com o dinheiro do prémio, Schweitzer construiu uma colónia para leprosos perto de seu hospital.
Schweitzer era também um exímio organista. Foi um dos melhores intérpretes de Bach.
Tinha com a religião uma relação conturbada. Para ele, o maior problema era a forma com que o Evangelho era pregado pela Igreja: "Os nativos têm ânsia de religião, não de uma religião formal, mas da religião do amor."

Após a sua morte, em 1965, na sua amada vila de Lambaréné, seu maior legado seria o exemplo de seu trabalho missionário e a crença de que "um dia a Humanidade vai perceber que a destruição de vidas é incompatível com a Ética".

Schweitzer é um exemplo de determinação e amor à humanidade.

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Palavras de Albert Schweitzer
"Dar o exemplo não é a melhor maneira de influenciar os outros - é a única." 

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

NADINE GORDIMER - Escritora



NADINE GORDIMER
(Joanesburgo, África do Sul, 1923 – 2014)
Escritora

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Nadine Gordimer recebeu o “Prémio Nobel da Literatura” em 1991, chamando, mais uma vez, a atenção para a ignomínia que era o apartheid, na África do Sul.

Disse, numa entrevista, que o dia em que se sentira mais orgulhosa na sua vida, não fora quando recebeu o Nobel, mas quando, em 1986, testemunhara num julgamento, para salvar as vidas de 22 membros da ANC, acusados de traição.

A mãe de Nadine impressionada com o modo como eram tratadas as crianças negras, abriu uma creche, para dar apoio gratuito a essas crianças.

Nadine começou a escrever aos 15 anos, pequenas histórias que publicou com o nome de Face to Face, dez anos depois.
Já tinha publicado treze novelas, duas centenas de pequenas histórias e diversos livros de ensaio. Está traduzida em mais de trinta línguas e recebeu numerosos prémios e doutoramentos honoris causa.

A maior parte das leis do apartheid surgiu com um governo inglês, em 1948, mas os holandeses e alemães que ali se fixaram eram convictos defensores da supremacia branca. Aqui o fulcro é o mesmo a luta contra o apartheid, que cujo fim Nadine Gordimer teve a alegria de presenciar anos depois da escrita do livro A Gente de July (1981).


in “O Leme”
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Palavras de Nadine Gordimer
“Os livros não precisam de pilhas.”


quinta-feira, 23 de agosto de 2018

ANTÓNIO ARAGÃO - A Virgem



ANTÓNIO ARAGÃO
(Ilha da Madeira, Portugal, 1925 - 2008)
Poeta, historiador, artista plástico

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Estagiou em França e na Itália, especializando-se em museologia e etnografia.
Pintor, fez a primeira exposição em 1946. Expôs em Barcelona e em Londres e participou em experiências vanguardistas em Inglaterra, Brasil e Itália, nomeadamente em Visopoemas e Orfonias e Haooening.
Poeta, estreou-se com Poema Primeiro, a que se seguiram Folhemas, Mais ExactaMente P(r)o(bl)emas, que põe em evidência o espírito esteticista do seu autor.

in”Portugueses Célebres”
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A Virgem

Um avião em teus seios desocupados
Um guindaste em tua boca alerta
um passo de arco-íris corre
teu pulso – dá-me teu bilhete
oh como voo te gosto de viajar!
um motor faz entre tuas coxas
hossana! é sangue o côncavo do teu lugar



quarta-feira, 22 de agosto de 2018

CONTO DE FADAS INDIANO – O Leão e o Grou




O LEÃO E O GROU


O Bodhisatta veio ao mundo em uma das suas vidas como um grou branco. Ele nasceu na região do Himavanta e naquele tempo Brahmadatta reinava em Benares. Ocorreu que um leão, enquanto devorava um bom naco de carne, viu um osso cravar-se em sua garganta. De tal modo inchou e o incomodou, que ele já não podia mais comer. Seu sofrimento era terrível.
O grou, empoleirado em uma árvore à procura de comida, viu-o e perguntou:

- Que mal te aflige, amigo?

O leão contou-lhe o que tinha sucedido. O grou retornou, dizendo:

- Eu bem que poderia te livrar desse osso, amigo, mas não me atrevo a entrar em tua boca, pois temo que, se assim fizesse, logo me devorarias.

- Não temas, amigo, não te devorarei. Peço apenas que salves minha vida.

- Pois bem, retornou o grou. E o fez deitar-se do lado esquerdo. Não convém confiar nas palavras de um leão. Ninguém pode saber o que fará – pensou o grou, e tratou de colocar uma pequena vareta de cada lado da boca entre as mandíbulas do leão, de modo que, se tentasse fechar a boca, não conseguiria.

Assim prevenido, introduziu a cabeça na boca do leão e com o bico moveu o osso, que logo saiu. Assim que viu o osso removido, o grou retirou também as varetas e imediatamente subiu para o galho da árvore.

O leão ficou completamente curado. Passado algum tempo, estava ele devorando um búfalo, justamente em baixo de uma árvore onde estava o grou. Eu vou experimentá-lo, pensou o grou, e recitou para ele esses primeiros versos:

Com o melhor da minha habilidade
Socorro eu te prestei,
Ó grande Rei da selva! De sua majestade
Que recompensa haverei?

O leão replicou com outros versos:

Eu vivo de rapinar viventes
Para ver a fome saciada
Já é muito ter a vida poupada
Quem já esteve entre meus dentes.

Retornou o grou recitando mais duas quadras:

O bem não sabes devolver
Em ti não há gratidão
Nem quando mais deveria haver
Servir-te é inteiramente vão

Teu afecto nunca é cativado
Nem pelo mais grato dos favores
Melhor convém afastar calado
Não te invejar nem excitar teus furores.

O grande Mestre Gautama, o Buda, terminou de contar essa história, e em seguida acrescentou:

- Naquele tempo o leão era Devadatta, o traidor; o grou branco era eu próprio.



in”Contos de Fadas Indianos” – selecção de Joseph Yacobs 





terça-feira, 21 de agosto de 2018

GUILHERME DE AZEVEDO - Os Palhaços



GUILHERME DE AZEVEDO
(Santarém, Portugal, 1839 - Paris, França, 1882) 
Poeta, jornalista

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Até 1874, em que publicou o seu melhor livro de versos, Alma Nova, cultivou um lirismo no qual o romantismo lamartiniano e huguesco se mesclava com o realismo impressionista. Nesse ano fixa-se em Lisboa, entregue ao jornalismo, iniciando uma intensa cooperação com Rafael Bordalo Pinheiro, concretizada em A Lanterna Mágica, O António Maria, entre outros.

in”Autores Portugueses”

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Os Palhaços

Heróis da gargalhada, ó nobres saltimbancos,
eu gosto de vocês,
porque amo as expansões dos grandes risos francos
e os gestos de entremez,

e prezo, sobretudo, as grandes ironias
das farsas joviais.
que em visagens cruéis, imperturbáveis, frias.
à turba arremessais!

Alegres histriões dos circos e das praças,
ah, sim, gosto de vos ver
nas grandes contorções, a rir, a dizer graças
de o povo enlouquecer,

ungidos pela luta heróica, descambada,
de giz e de carmim,
nas mímicas sem par, heróis da bofetada,
titãs do trampolim!

Correi, subi, voai num turbilhão fantástico
por entre as saudações
da turba que festeja o semideus elástico
nas grandes ascensões,

e no curso veloz, vertiginoso, aéreo,
fazei por disparar
na face trivial do mundo egoísta e sério
a gargalhada alvar!

Depois, mais perto ainda, a voltear no espaço,
pregai-lhe, se podeis,
um pontapé furtivo, ó lívidos palhaços,
luzentes como reis!

Eu rio sempre, ao ver aquela majestade,
os trágicos desdéns
com que nos divertis, cobertos de alvaiade,
a troco duns vinténs!

Mas rio ainda mais dos histriões burgueses,
cobertos de ouropéis,
que tomam neste mundo, em longos entremezes,
a sério os seus papéis.

São eles, almas vãs, consciências rebocadas,
que enfim merecem mais
o comentário atroz das rijas gargalhadas
que às vezes disparais!

Portanto, é rir, é rir, hirsutos, grandes, lestos,
nas cómicas funções,
até fazer morrer, em desmanchados gestos,
de riso as multidões!

E eu, que amo as expansões dos grandes risos francos
e os gestos de entremez,
deixai-me dizer isto, ó nobres saltimbancos:
eu gosto de vocês!