terça-feira, 7 de agosto de 2018

REINALDO FERREIRA – Memórias de um chauffeur de táxi



REINALDO FERREIRA
(Lisboa, Portugal, 1897 - 1935)
Jornalista, dramaturgo, cineasta

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Nas “Memórias de um chauffer de táxi”, vamos encontrar uma das mais pitorescas personagens criadas por Reinaldo Ferreira: Juca, o “Menjou da Estefânia”.

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Não foi tarefa fácil convencer Juca a exibir-me os numerosos dossiers das suas memórias de chauffer… É que Juca, ladino, pícaro, espertalhão, sempre armado em ventosa de gorjetas, possui, em contável grau, o que podemos intitular dignidade profissional. Fiel aos seus fregueses, orgulhoso da confiança que em si depositam – sabia-lhe a traição e a deslealdade confidenciar-me os segredos da sua clientela. Por fim, cedeu – impondo condições solenes e graves. Que os nomes que rotulassem os heróis dos episódios narrados não seriam os verdadeiros…

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MEMÓRIAS DE UM CHAUFFEUR DE TÁXI

“Durante todo o ano de 1925 prestei serviços ao senhor Mário de Canavarro. O senhor Canavarro, que vinha de propósito à praça para me escolher a mim sempre que precisava de um táxi, não era, positivamente um estroina.

“Disse e repito que não era um estroina – mas tomara muitos estroinas terem a graça do senhor Canavarro. Mal ele entrava em qualquer parte vinham logo fazer-lhe cerco só para ouvirem as histórias, os ditos e os propósitos, que era da gente estoirar às risadas.

Mas se graça tinha a falar, as partidas que pregava não lhe ficavam atrás. Ainda hoje a rapaziada da sua época se recorda de algumas que ficaram célebres como, por exemplo, aquela do cão do senhor major T…, um cachorro branco e muito antipático que era o maior orgulho do dono que o tratava com cuidados paternais e que parecia ter medo que lho cobiçassem. 

O major T… ia todas as tardes tomar café à Brasileira, mas não largava a prenda do cão nem por decreto… Quando alguém o acariciava, ficava logo nervoso, e se outro insistia, abespinhava-se, dizendo: “Faça favor de deixar o animal.” Um dia o senhor Canavarro apanhou o major distraído, cortou a correia ao cão e levou-o… O major ficou pior do que uma fera. Partiu a chávena, insultou toda a gente e foi queixar-se à polícia.

- Quanto apostam vocês em que eu amanhã apareço ao major com o cão e que ele não me diz nada? – desafiou o senhor Canavarro. 

Os amigos apostaram dinheiro, bebidas e ceias, e no dia seguinte o senhor Canavarro cumpria a promessa indo sentar-se na mesa ao lado do major, levando o cão… e ganhando a aposta, porque o major nada lhe disse… E sabe porquê? Porque o endiabrado senhor Canavarro pintara de preto o cão branco do major… Ele bem olhava, desconfiado, para o cachorro… O animal parecia-lhe o seu… as mesmas orelhas, o mesmo tamanho, o mesmo feitio… Mas se o dele era branco e aquele era preto… O major ia enlouquecendo e os amigos do senhor Canavarro iam rebentando à força de conterem o riso… E como esta, muitas…"


in “Memórias de um chauffeur de táxi”




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