segunda-feira, 22 de outubro de 2018

ÁGOTA KRISTOF – “O Caderno Grande”



ÁGOTA KRISTOF
(Hungria, 1935 – Suíça, 2011)
Escritora, poetisa


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Saiu da Hungria após os acontecimentos que em 1956 ensanguentaram o seu país e o deixaram mais isolado do resto do mundo. Exilou-se em Neuchâtel, na Suíça romanda, onde começou por trabalhar numa fábrica.

O seu primeiro romance, O Caderno Grande (antes, tinha publicado poesia e teatro) foi um sucesso imediato. Narrado por uma par de gémeos que, abandonados pela mãe aos cuidados de uma avó desconhecida, sobrevivem à Segunda Guerra Mundial escondidos numa aldeia perto da cidade de fronteira ocupada pelos alemães, é um conto cruel que mostra o mundo dos adultos visto pelos olhos de dois rapazinhos solitários. 

Escrito numa linguagem despojada e cortante, de um realismo sem concessões, apresenta a violência, o horror, a traição, o assassínio como situações normais.


in “Mulheres Século XX”

***

“Começamos pelos peixes. Apanhamo-los pelo rabo e batemos-lhes com uma pedra na cabeça. Habituamo-nos depressa a matar os animais destinados à alimentação: galinhas, coelhos, patos. 
Mais tarde, matamos outros que não seria necessário matar. 

Apanhamos rãs, pregamo-las a uma tábua e abrimos-lhes a barriga. Também apanhamos borboletas, que prendemos com alfinetes em folhas de cartão. Em breve possuímos uma bela colecção. Um dia, penduramos o nosso gato, amarelado, num galho de uma árvore. Pendurado, esticado, parece enorme. Tem sobressaltos e convulsões. Quando deixa de se mexer, tiramo-lo. Fica deitado na erva, imóvel, depois, bruscamente, levanta-se e foge.

Desde esse dia vemo-lo ao longe, de vez em quando, mas nunca mais se aproximou da casa. Nem sequer vem beber o leite que deixamos junto à porta, num pratinho.

A Avó diz:
- Este gato está cada vez mais selvagem.
E nós respondemos:
- Deixe lá, Avó, nós tratamos da saúde aos ratos.
Construímos ratoeiras e aos ratos que lá caem afogamo-los em água a ferver.”
        

in”O Grande Caderno”








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