sábado, 13 de outubro de 2018

RAUL BRANDÃO – O Nevoeiro no Mar



RAUL BRANDÃO
(Porto, Portugal - 1867 - Lisboa, 1930)
Escritor, jornalista

***
O Nevoeiro no Mar

As névoas anunciam o inverno. Começam a vir os nevoeiros compactos, que se metem pelas narinas e cheiram a mar e a fumo. Há-os que têm léguas de espessura e levam dias a passar, coortes desordenadas de fantasmas enchendo todo o horizonte. 

O sino tange. Não se vê palmo adiante do nariz. Lá fora os barcos, como cegos, só se guiam pelo som. O mar é um misterioso fantasma que os envolve. Cerração cada vez mais mole e espessa… Só a voz se ouve, e o lamento parece vir de mais longe e de mais fundo. Às vezes adelgaça-se um pouco na costa, e grandes rolos de fumaceira crescem do mar sobre a terra. É o Inverno que vem aí. 

A voz imensa tem já plangências de dor – desabafar infinito de lágrimas. De sul para o norte as nuvens correm sempre, coortes que saem das profundas, e avançam, deslizam sobre as águas sem ruído, enchendo o céu de farrapos enormes, de fantasmas criados naquele mar salgado e que se seguem em tropel num galope monstruoso para uma batalha desconhecida. E de quando em quando o sino chama, chama sempre pelos homens perdidos na névoa espessa que leva dias a passar.



in “Os Pescadores”
Imagem: retrato de Raul Brandão (1928), por Columbano Bordalo Pinheiro. 



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