sábado, 10 de novembro de 2018

IRENE LISBOA – Solidão



IRENE LISBOA 
(Arruda dos Vinhos, Portugal, 1892 – Lisboa, 1958) 
Escritora, professora, poetisa

***

Solidão

Recortei duas gravuras de um jornal inglês. São duas esculturas quase caricaturais. Em português, nós chamar-lhe-íamos bonecos. Duas figuras humanas em bloco, muito pouco desbastadas. Linhas rígidas, muito definidas. Só o grosso das formas e um tipo de atitude. Mais atitude que forma, ou pormenor.

Esta simplificação agrada-me. Não vejo nela insuficiência, vejo sobriedade. Os escultores deram às suas figuras três pancadas, mas todas elas certas. Não representam bem uma obliteração do complexo; são o maciço, o global, o primário, mas espirituoso! Síntese, em suma. Um plano sem arrebiques, em que os artistas assentaram qualquer ideia que os preocupava.

Dá um resto de sol nas árvores de Plainpalais. E vêm-me à ideia os versos de Olavo Bilac em que ele pedia para não morrer assim, à vista de um sol assim

Ele chorava-se num dia de Primavera. Aqueles seus versos para mim reflectem Primavera.

E hoje nesta cidade é Outono. Mansidão, mansidão!

Os versos de Bilac perderam já grande parte da sua força, do seu drama.

Por aquele rasgo de sol morrente, que torna o verde murcho das árvores um verde luminoso, embora triste, fui eu tocada de uma intuição crítica. Critiquei-me a mim e ao Olavo, que tanto amei. Depreciei a sua poesia agitada, o seu espectáculo de uma morte romântica, fantástica.

Olavo falava dos ninhos e dos rosais, do sol e da vida nos olhos dela… Agonia demasiado tumultuosa. Poesia do arrebatamento e do medo. O medo de perder? Talvez. Mas em todo o caso, poesia muito exterior. É isso só que nela hoje me escandaliza. Aquela grinalda de evocações… aquela sensibilidade cantada… Não me comovem já as generalidades patéticas.

Olavo, Olavo! Por um claro de sol e por uma volta do meu espírito se empanou a tua formosa glória. E não foi só por isso… É porque também já empalideceu em mim, sem culpa de ninguém, aquele fogacho sensível que a tua poesia exuberante tinha o condão de atear. Nem tu já és capaz de me mostrar o mundo talhado em rimas!

Genebra, 1930 e 1931.


in “Solidão”






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