quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

SEGUNDA GUERRA MUNDIAL - BERTHOLT BRECHT - Regresso



BERTHOLT BRECHT
(Alemanha, 1898 - 1956)
Dramaturgo, poeta, encenador

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Militante de esquerda e opositor do regime nazista desde seu início, Bertolt Brecht foi perseguido, tendo a partir de 1933, com a ascensão de Hitler ao poder, se refugiado em diversos países europeus e posteriormente nos EUA. Homem de seu tempo como poucos lograram ser, a poesia de Brecht é riquíssima em textos sobre o conflito.

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REGRESSO


A cidade natal, como a encontrarei ainda?
Seguindo os enxames de bombardeiros
Volto para casa.
Mas onde está ela? Lá onde sobem
Imensos montes de fumaça.
Aquilo no meio do fogo
É ela.

A cidade natal, como me receberá?
À minha frente vão os bombardeiros. Enxames mortais
Vos anunciam meu regresso.
Incêndios
Precedem o filho.



Tradução: Paulo César de Souza

in “Segunda Guerra Mundial" - Uma Antologia Poética – Sammis Reachers


 

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

YVES BONNEFOY – A Fala da Noite




YVES BONNEFOY
(França, 1923 - 2016)
Poeta

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A FALA DA NOITE

O país do princípio de Outubro só tinha
Frutas a se rasgar no chão, seus passarinhos
Chegavam a soltar gritos de ausência e pedra
No alto flanco curvado vindo rumo a nós.

Minha fala da noite,
Como uva de um Outono tardio tens frio,
Mas o vinho já queima em tua alma e eu encontro
Meu só real calor: teu verbo fundador.

A nave de um findar de Outubro, claro, pode
Vir. Saberemos misturar as duas luzes,
Ó minha nave iluminada em mar errante.

Clarão de noite perto e clarão de palavra,
— Bruma que subirá de toda coisa viva
E tu, meu rubescer de Lâmpada na morte.






Tradução: Mário Laranjeira




terça-feira, 29 de janeiro de 2019

FLORBELA ESPANCA – Versos de Orgulho


                                               FLORBELA ESPANCA
(Vila Viçosa, Portugal, 1894 - Matosinhos, 1930)
Poetisa

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VERSOS DE ORGULHO


O mundo quer-me mal porque ninguém
Tem asas como eu tenho! Porque Deus
Me fez nascer Princesa entre plebeus
Numa torre de orgulho e de desdém.

Porque o meu Reino fica para além...
Porque trago no olhar os vastos céus
E os oiros e clarões são todos meus!
Porque eu sou Eu e porque Eu sou Alguém!

O mundo? O que é o mundo, ó meu Amor?
O jardim dos meus versos todo em flor...
A seara dos teus beijos, pão bendito...

Meus êxtases, meus sonhos, meus cansaços...
São os teus braços dentro dos meus braços,
Via Láctea fechando o Infinito.




segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

ALEXANDRE O'NEILL - Não deixes que metam o nariz na tua vida

~
 

 ALEXANDRE O'NEILL
(Lisboa, Portugal, 1924 - 1986)
Poeta

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  NÃO DEIXES QUE METAM O NARIZ NA TUA VIDA

 

Quando falas ou simulas falar de ti próprio e amalgamas passado, presente, futuro, há sempre os que perguntam se o que contaste é verdade ou não. Nunca indagam se vai ser verdade. O que lhes interessa é saber, com a curiosidade dos intriguistas, se o que se passou (ou parece ter-se passado) se passou mesmo contigo. É um erro de gente vulgar. Parasitários ou não, qualquer invenção ou patranha, qualquer «mentir verdadeiro» é acepipe biográfico, é pretexto para te enfileirarem na nulidade biográfica que é a deles próprios e tecerem incansavelmente histórias a teu respeito.
 
Não te deixes seduzir pelo gosto da conversa. Essa pequena gente não merece a mais pequena atenção, nem tu precisas de espectadores para o salutar exercício diário de falar por falar.
 
(...) Não deixes que metam o nariz na tua vida. Caso contrário, vais ficar cheio de gente, com a sua vida escassamente interessante. O tombo da vida vulgar já foi feito por escritores como Camilo. E tenho a impressão de que, no essencial, a vida vulgar continua a mesma.
Desunha-te a escrever (olha que já tens pouco tempo!), mas fá-lo com a discrição e a reserva de quem não se dá às primeiras. É outro exercício salutar.

 

in "Uma Coisa em Forma de Assim"

domingo, 27 de janeiro de 2019

AUGUSTO ABELAIRA - Quem era na verdade, FERNANDO PESSOA? (II)


AUGUSTO ABELAIRA
(Coimbra, Portugal, 1926 - Lisboa, 2003)
                  Dramaturgo, tradutor, jornalista     

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         QUEM ERA NA VERDADE, FERNANDO PESSOA? (II)

 (continuação)

É claro que se quis dizer isso tudo e muito mais. E muito menos também, porque postas as coisas naquele pé, não iríamos talvez parar muito longe. (Sejamos sinceros: Não é que não pudéssemos chegar a resultados interessantes. Confessemos honestamente: não nos convêm, por agora).

a)   Perigoso, digo eu, observar Pessoa pelo que ele próprio diz de si. Perigoso, mas não desprezível, acrescentarei. «Por muito que um homem aprenda, nunca aprende a ser quem não é» diz ele algures. E verdade (pelo menos em parte, porque sem dúvida o homem que não aprendeu a ser quem não é, pode no entanto virar do avesso aquilo que é – por contraste ao que é).

Por isso mesmo, acrescentarei: Pode dar-se o caso de Fernando Pessoa não mistificar e no entanto não dizer aquilo que é, pelo simples facto de sinceramente dizer aquilo que julga ser. Daqui, que a própria sinceridade de Pessoa nos possa enganar.

      b) - Seria interessante, sem dúvida, ver o que ele diz
dos outros. Certamente que estudando os outros, os outros
seriam o que ele quisesse que fossem, isto é: personalidades heterónimas. Faria deles o que faz da História nas suas sociológicas considerações, em que às duas por três acaba por se esquecer completamente da História objectiva, para ver nela o que lhe convém para a demonstração do que pretende – (o que aliás sucede talvez com todos os historiadores, sejam eles gregos ou troianos, comentará o leitor; e eu não terei outro remédio senão baixar a cabeça.

Mas não haverá em Pessoa mais subjectivismo – pelo menos um subjectivismo mais consciente – que nos historiadores vulgares e não vulgares)? «A inteligência dispersa-nos» diz. De modo que, quando Pessoa inteligenciasse acerca dos outros, dispersar-se-ia. Ver-se-ia em cada um dos outros, um dos estractos da sua dispersão. O pior, o pior, é que Pessoa nunca se dá ao trabalho de fingir, sequer, que fala dos outros…    

c)   - E que diz ele dos problemas em geral? Sim, não há dúvida que reside aqui o seu forte (como ensaísta). E não há dúvidas também que era aqui que me convinha chegar. Mas não se vá pensar que vou interpretar o que ele diz, sistematizar suas ideias, ordená-las em premissa maior e premissa menor e depois concluir: Fernando Pessoa é isto assim e assado.

Não. Contra o costume – nestes casos – não pretenderei fazer um sistema das ideias de Pessoa. Antes muito pelo contrário irei dizer que espírito e sistema é coisa que não existe nele e que se há alguma coisa que eu lhe veja é pura e simplesmente falta de convicções, pura incoerência. 

(continua)



in ‘Mundo Literário – Semanário de Crítica e Informação Literária, Científica e Artística’ – 1947