sexta-feira, 31 de maio de 2019

SEGUNDA GUERRA MUNDIAL - CECÍLIA MEIRELES - Guerra



 CECÍLIA MEIRELES
(Brasil, 1901 – 1964)
Poetisa, professora, pintora

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GUERRA


Tanto é o sangue
que os rios desistem de seu ritmo,
e o oceano delira
e rejeita as espumas vermelhas.

Tanto é o sangue
que até a lua se levanta horrível,
e erra nos lugares serenos,
sonâmbula de auréolas rubras,
com o fogo do inferno em suas madeixas.

Tanta é a morte
que nem os rostos se conhecem, lado a lado,
e os pedaços de corpo estão por ali como tábuas sem uso.

Oh, os dedos com alianças perdidos na lama...
Os olhos que já não pestanejam com a poeira...
As bocas de recados perdidos...
O coração dado aos vermes, dentro dos densos uniformes...


Tanta é a morte
que só as almas formariam colunas,
as almas desprendidas... - e alcançariam as estrelas.

E as máquinas de entranhas abertas,
e os cadáveres ainda armados,
e a terra com suas flores ardendo,
e os rios espavoridos como tigres, com suas máculas,
e este mar desvairado de incêndios e náufragos,
e a lua alucinada de seu testemunho,
e nós e vós, imunes,
chorando, apenas, sobre fotografias,
- tudo é um natural armar e desarmar de andaimes
entre tempos vagarosos, sonhando arquitecturas.




in “Segunda Guerra Mundial - Uma Antologia Poética" – Sammis Reachers

 




quinta-feira, 30 de maio de 2019

IRIS MURDOCH – O Sino


                              IRIS MURDOCH
(Dublin, Irlanda, 1919 - Oxford, Reino Unido, 1999)
Escritora, filósofa

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Tinha 37 anos quando publicou O Sino, romance que a tornou uma escritora de nível mundial.
O Sino, cuja acção decorre numa Inglaterra rural dividida entre a ambição do progresso, brandido como a última panaceia, e o apelo de um passado mítico que faz parte da identidade de um povo apegado às raízes ancestrais, constitui um marco feliz nesta conjunção de influências.

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«Porém, naquele momento, Dora não estava obcecada com pensamentos daquele género. Estava a estudar os elementos masculinos da congregação para decidir quais eram os mais interessantes. 

Claro que era James quem mais se assemelhava a uma estrela de cinema, tão grande, com o cabelo tão encaracolado, e com aquele rosto franco e poderoso. Toby tinha as feições mais belas e era o mais elegante. Mark Stalford era bastante impressionante, mas os homens de barba tinham uma desvantagem injusta. Michael, tinha um rosto doce, como um cão preocupado, mas não tinha dignidade suficiente para ser atraente. 

No fim acabou por concluir que Paul era o mais bem parecido de todos, distinto, digno, nobre. Todavia ao seu rosto faltava serenidade, faltava esplendor. Muitas vezes parecia distintamente mal humorado. Mas, afinal de contas, como reflectiu tristemente, o marido não era um homem feliz.»



in “O Sino” (excerto)
in “Mulheres do Século XX”



quarta-feira, 29 de maio de 2019

HENRIQUE REGO – Os Velhinhos




HENRIQUE REGO
(Lisboa, Portugal, 1893 – 1963)
Poeta

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Henrique Rego não cantava as touradas, os retiros, a estúrdia, o marialvismo, o ciúme, a traição, ou o crime. No entanto, o rigor formal, a capacidade descritiva, a arte de envolver o leitor/ouvinte na acção, a densidade dos enredos, o perfil bem vincado das personagens eram patentes.

Nos temas, trouxe para o Fado um bucolismo evocador da vida simples da província, num estilo igualmente simples, despretensioso e fluente; por isso mesmo, em perfeita sintonia com os conteúdos.

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OS VELHINHOS

Sentados nos degraus musgosos duma ermida
Dois velhos aldeões mortinhos de saudade
Com palavras de amor cândidas como as rosas
Lembravam com ternura a morta mocidade

Nos olhos do velhinho e com doce lembrança
Transparecia o amor do tempo já passado
E da velhinha a voz imersa em confiança
Lembrava um par gentil em dia de noivado

Eu tenho uma ambição, um grande e vasto sonho
Diz o velhinho em voz de estática doçura
Já que Deus nos uniu neste mesmo lar risonho
Só peço que nos dê a mesma sepultura.



in “Poetas Populares do Fado Tradicional” – Daniel Gouveia e Francisco Mendes.




segunda-feira, 27 de maio de 2019

AMÂNDIO CÉSAR – Escola vazia


AMÂNDIO CÉSAR
(Arcos de Valdevez, Portugal, 1921 – Lisboa, 1987)
Poeta, escritor

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Foi um dos elementos do grupo Poesia Nova. Como ensaísta e crítico literário, dedicou parte da sua actividade à divulgação das literaturas brasileira e africana de expressão portuguesa, nomeadamente a angolana.
No dizer de Jorge de Sena, "se a sua poesia se integra, apesar de uma certa versatilidade, num lirismo tradicional e tradicionalista, os seus contos aproximam-no do neo-realismo literário na forma de tratar a terra duriense".



in “Poetas Portugueses”


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ESCOLA VAZIA

Eu fui lá nesse dia, --como nos outros dias,
só para ver, mas ver como se fizesse parte,
as crianças brincar e saltar, despreocupadamerite.

Os jardins estavam vazios de gritos infantis
e um bibe verde-claro, ficou-se
balouçando, no braço estendido
de qualquer arbusto, ao acaso ...

Os jardins estão vazios e mesmo os bancós
não têm ninguém sentado;
um livro aberto, cadernos pelo chão
e uma pena que rolou por rolar
e está espetada como uma seta.

Só acácias tristes balouçam ao vento,
balouçam e vão caindo, e o vento continua
balouçando;
só a escola está vazia,
enquanto os aviões continuam passando, passando ...
 







domingo, 26 de maio de 2019

AS CRIANÇAS DURANTE O HOLOCAUSTO (I)





AS CRIANÇAS DURANTE O HOLOCAUSTO (I)


As crianças eram especialmente vulneráveis durante a época do Holocausto. Os nazistas defendiam o assassinato de crianças de grupos “indesejáveis” ou “perigosos”, de acordo com a sua visão ideológica, tanto como parte da “luta racial” quanto como medidas de segurança preventiva. Os alemães e seus colaboradores matavam crianças por estas duas razões e também como retaliação aos ataques, reais ou inventados, dos partisans.

Os alemães e seus colaboradores assassinaram cerca de 1,5 milhões de crianças, sendo um milhão delas judias, e dezenas de milhares de ciganos Romas, além de crianças alemãs com deficiências físicas ou mentais que viviam em instituições, crianças polonesas, e crianças que moravam na parte ocupada da União Soviética. As chances de sobrevivência imediata dos adolescentes, judeus e de não-judeus, entre 13 e 18 anos eram maiores, já que podiam ser enviados para o trabalho escravo.

(continua)



in “Holocaust Encyclopedia”
Imagem: Crianças à espera da execução pelo Einsatzgruppen - Unidade móvel de Extermínio.