quinta-feira, 19 de novembro de 2020

GONÇALO ANES BANDARRA - Trovador



GONÇALO ANES BANDARRA
(Trancoso, Portugal, 1500 – 1556)
Trovador

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Quase tudo o que se sabe com certeza da vida de Gonçalo Anes Bandarra consta do seu processo inquisitorial, publicado por Teófilo Braga na sua História de Camões (Porto, 1873). 

Ele deve ter nascido por volta de 1500 na vila de Trancoso, que foi também terra natal de outro autor popular seiscentista: Gonçalo Fernandes Trancoso, que cativou muitas gerações de leitores portugueses com os seus edificantes Contos de Histórias de Proveito e Exemplo.

Antes da publicação do seu processo, julgava-se que ele era pobre e de origem muito modesta. Mas na sua declaração ao Tribunal lemos que «fora rico e abastado, mas que queria mais sua pobreza em dizer a verdade e o que cumpria à sua consciência, que não dizer outra cousa». 

Também se julgava que o sapateiro não sabia ler nem escrever, mas que ditava as suas profecias ao Padre Gabriel João de Trancoso, o qual seria o seu amanuense, tal como o fora Baruch do profeta Jeremias. 

Era assim que se interpretava uma das suas trovas (aliás, inautênticas) do seu chamado «Terceiro Corpo»:

Eu componho, mas não ponho
as letrinhas no papel,
que o devoto Gabriel
vai riscando quanto eu sonho.

Hoje se sabe que Bandarra não era nenhum analfabeto. Ele mantinha correspondência com várias pessoas do Reino, entre as quais se achavam figuras importantes.

As suas profecias rimadas não tardaram a encontrar leitores na capital do Reino. Os cristãos-novos, que já antes o tinham consultado como uma espécie de rabi, passaram agora a venerá-lo como um profeta solidário com eles nas suas esperanças messiânicas. 

Sabemos que Bandarra, por duas vezes, se deteve por algum tempo em Lisboa ( 1531 e 1539), onde era muito procurado pela gente da nação. Tal alvoroço devia despertar as suspeitas da Inquisição recém-estabelecida. 

Bandarra foi preso e levado para Lisboa (1540). A Mesa ouviu diversas testemunhas e impôs-lhe (3 de Outubro de 1541) um castigo relativamente brando: o de abjurar solenemente as suas trovas na procissão do auto-da-fé do dia 23 do mesmo mês. Pela sentença se pode ver que Bandarra não foi acusado de judaísmo, nem sequer passava por cristão-novo. O que se lhe imputava era causar alvoroço entre os cristãos-novos com as suas trovas, que eles tendiam a interpretar em sentido judaico.


Fonte: “Instituto Camões” - José van den Besselaar -Professor jubilado da Universidade Católica de Nijwegen (Holanda).


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TROVAS

Todos os lugares planos
Por terra serão prostrados,
Muitos males, muitos damnos
Haverà pellos peceádos.

As Serras se habitarão
E os Oiteiros mais altos,
Muitas Gentes sahirão
Outros andarão em Saltos.

Andarão como pasmados
Chorando pellos caminhos,
De suas terras lançados
De parentes, e vesinhos.

Então não haverà amigos
Nem pay que por filho seja,
O mais seguro abrigo
Serà acolherse à Igreja.

Nesses tempos os meninos
Ainda que innocentes,
Terão tãobem accidentes
Muito fora dos Caminhos.

Haverà peregrinaçoens
Mortes sem conto de dura,
Males fogos devisoens
Só Deos lhe póde dar cura.

Os póvos hão de alintar
As culpas dos seos Monarchas,
Que sem nenhum estudar
São Letràdos, e Patriarchas.



1 comentário:

  1. Interessante suas mensagens e linguagem que datam do período em que viveu.

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