quinta-feira, 7 de novembro de 2019

JOSÉ BLANC DE PORTUGAL - Soneto martelado




JOSÉ BLANC DE PORTUGAL
(Lisboa, Portugal, 1914 – 2000)
Poeta, professor, ensaísta, tradutor, crítico musical

***

SONETO MARTELADO

A tarde, e por de mais calma,
Afogou-me o que ficara da partida
Tudo que inventara, essa mentira querida
Que ficara fazendo as vezes da alma.
Passa e segue a triste gente calada
E o correio e a luz quebrada no muro
Trazem a tarde, recortando duro
O perfil triste e morno desta minha estrada.
E choca e vem de mim até ao céu polido
Liso e puro e sempre igual estendido
Sobre mim e a rua desolada,
Uma ilusão que nada tem de alada
E é feita de aço puro e diamantes:
Não querer tornar-me no que era dantes.
 


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