domingo, 16 de fevereiro de 2020

A INQUISIÇÃO EM PORTUGAL (VII)





A INQUISIÇÃO EM PORTUGAL (VII)


O número das pessoas que entraram nos cárceres de Lisboa de 1540 a 1543 nem remotamente se pode calcular. Tinham-se construído prisões especiais para os réus do judaísmo; mas em breve esse receptáculo de supremas misérias ficou atulhado. 

Converteu-se em masmorra o vasto edifício das Escolas Gerais; mas as novas prisões dentro em pouco se tornaram insuficientes. Os Estaus, passos reais situados no Rossio, foram então entregues ao Santo Ofício. Não bastaram, porém. 

Os edifícios públicos da capital corriam risco de ser transformados, uns após outros, em calabouços. Nos pátios interiores edificaram-se umas como pocilgas para receberem novos hóspedes. A frequência dos autos de fé devia, portanto, tornar-se em providência higiénica. Uma epidemia podia surgir daqueles lugares infectos, dentre uma população empilhada em recintos sem ar e sem luz, devorada pelos padecimentos físicos e enfraquecida pela dor moral. 

As fogueiras dos autos-de-fé, ao passo que eram uma diversão para o povo, satisfaziam às indicações administrativas. As cinzas dos mortos nem sequer ocupavam um breve espaço de terra; porque as correntes do Tejo iam depositá-las no fundo solitário do mar.
                     




in “História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal” -  Alexandre Herculano.

Imagem: Procissão do auto de fé saindo do palácio da Inquisição (Estaus) no Rossio de Lisboa.



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