quarta-feira, 10 de junho de 2020

A IRRESPONSABILIDADE DA MULTIDÃO



A IRRESPONSABILIDADE DA MULTIDÃO

A multidão que se chama parlamento nunca se sente tão feliz como quando pode calar com gritos um orador e derrubar um ministro; a multidão que se chama comício agita-se e exalta-se, mal um grito a incita a bradar «Abaixo!» sob as janelas de um inimigo ou a reclamar a cabeça de um indivíduo odiado ou ainda a queimar qualquer símbolo do poder, quer se trate de um panfleto, quer de um palácio de justiça; a multidão reunida num teatro que dá pelo nome de público pode aplaudir uma peça nova, mas, quando estimulada, não hesita em condenar e precipitar à força de uivos e assobios quem supunha tê-lo conquistado e ser-lhe, pelo engenho, superior.

No fundo, toda a multidão é um público, que não quer dispersar sem ter assistido a um espectáculo. No entanto, selvagem como é, prefere os espectáculos trágicos; sente o circo dos gladiadores ou o torneio, mais do que a fábula pastoral. Quando se animaliza, quer sangue - pelo menos, vê-lo.

Estar entre muitos incute a sensação de força, ou seja, da prepotência e, ao mesmo tempo, a certeza da irresponsabilidade e da absolvição.




GIOVANNI PAPINI (Florença, Itália, 1881 – 1956) - Escritor, poeta

in “Relatório Sobre os Homens” 

Imagem: pintura de Luísa Moreira - Portugal





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