sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

RESPOSTA DE VITORINO NEMÉSIO À CARTA DE JOSÉ RÉGIO




RESPOSTA DE VITORINO NEMÉSIO à CARTA DE JOSÉ RÉGIO

                                          Coimbra, 15 de Julho de 1938
                                         (R. Antero de Quental, MS, 2º)

        Meu caro José Régio,

     Tal como V., não tenho tempo nem disposição para escrever longamente. Tampouco costumo dar «explicações» a quem mas pede no tom da sua carta de 12, e muito menos «explicações» de «uns boatos» - género de sociabilidade em que evidentemente não está na minha índole colaborar. Um «evidentemente» pelo qual respondem treze anos de vida literária (1924 a 1937) passados à margem de todos os grupos e grupinhos da literatura nacional.
      
       Se há, pois, boatos, fique bem entendido que não os lanço eu. Mas, como realmente penso que V. não tem sido para comigo um perfeito e aberto camarada, aproveito a ocasião que se me oferece para lho dizer sem rodeios – e pela segunda vez.
      
     As provas não são realmente muito fáceis, dado que o seu grande temperamento de artista impregna de subtileza as coisas da própria conduta do homem. No entanto, não lhe será difícil meter a mão na consciência e ver o que ela de lá traz a respeito do seu suelto sobre o aparecimento da Revista de Portugal, na Presença. A ver se realmente é assim, tratando como anónimo o esforço alheio, que na sua ética literária se costuma fazer justiça. Isso para não o enfadar levando-o a sondagens mais profundas.
      
      E dê-me licença de me encostar, neste triste ponto, a umas palavras da sua carta: «Não estranhe este tom que é o dum homem ferido: e cansado de o ser.» Talvez que assim, tratando os dois ferimentos pela sua mútua profundidade, possamos humanamente chegar a uma certa paz pessoal.
      
      Em qualquer caso, espero que V. não atinja com possíveis resoluções extremas a sua comparticipação no que moralmente significa a Revista de Portugal na literatura portuguesa de hoje.
      
      Já responsabilizei em primeiro lugar quem de direito por qualquer solução escandalosa do caso que deve estar na origem dos «boatos», e que sempre tratei como segredo de redacção. Seria bom que todos nós pensássemos fortemente nisto.
                                                           
Vitorino Nemésio





in “Correspondência com José Régio” – Obras Completas
Imagem: retrato de Vitorino Nemésio por Victor Câmara




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