quarta-feira, 30 de setembro de 2020

LENDA - A mulher vestida de branco e a mulher vestida de preto



A MULHER VESTIDA DE BRANCO E A MULHER VESTIDA DE PRETO


Diz-se que entre a meia-noite e a uma hora há uma hora boa e uma hora má. E que a boa hora vem sempre primeiro que a má hora.

Um dia à noite uma mulher estava sentada à porta e veio uma mulher muito grande toda vestida de branco que lhe disse: “O que te valeu a ti foi ter vindo eu primeiro, recolhe-te” e a mulher assim fez.

Mas, curiosa por saber o que a mulher queria dizer com aquelas palavras espreitou por um buraco e viu uma mulher toda vestida de preto, também muito grande que segundo consta era a má hora.



Imagem: pintura de Ismael Nery







terça-feira, 29 de setembro de 2020

JOHANN GOETHE – Pensamentos Nocturnos

 


JOHANN GOETHE

(Alemanha, 1749 – 1832)

*

PENSAMENTOS NOCTURNOS


Lastimo-vos, ó estrelas infelizes,
Que sois belas e brilhais tão radiosas,
Guiando de bom grado o marinheiro aflito,
Sem recompensa dos deuses ou dos homens:
Pois não amais, nunca conhecestes o amor!
Continuamente horas eternas levam
As vossas rondas pelo vasto céu.
Que viagem levastes já a cabo!
Enquanto eu, entre os braços da amada,
De vós me esqueço e da meia-noite.



Tradução: Paulo Quintela

 


segunda-feira, 28 de setembro de 2020

SEAMUS HEANEY - Despedida



SEAMUS HEANEY
(Reino Unido, 1939 — Irlanda, 2013)
Poeta, escritor

***

É amplamente reconhecido como um dos principais poetas do século XX.  Foi autor de mais de 20 volumes de poesia e crítica e editou várias antologias. Ganhou o Prémio Nobel de Literatura em 1995.

***

DESPEDIDA


Dama de blusa rendada
e saia simples de lã,
dês que deixaste a namorada
que por ela ficar vá
dói pensar. Tua presença
movia o tempo, ancorado
num sorriso; mas a ausência
desmedindo o amor, deu brado
aos dias, que desatinam
através do calendário
e por tua voz afinam
em flor de som terno e vário.
Irrompe a saudade e é quando
tu te foste, que ao mar vim.
Até tomares o comando
fica-me o ser num motim.




Tradução: Vasco Graça Moura






domingo, 27 de setembro de 2020

LIMA DE FREITAS – VIEIRA DA SILVA e os seres dos espelhos (VII)



LIMA DE FREITAS
(Setúbal, Portugal, 1927 — Lisboa, 1998)
Pintor, desenhador, escritor

***

VIEIRA DA SILVA E OS SERES DOS ESPELHOS (VII)

(continuação)

A cidade sempre atraiu os pintores. Basta lembrar os telhados e pináculos, rodeados de muralhas, que se vislumbram no fundo verde-prado e azul montanha dos retábulos medievais, por detrás das figuras dos santos e dos doadores, ou entre os personagens alegóricos nas mitologias pintadas do Renascimento italiano; as torres de Babel de Bruegel e as fantasias arquitectónicas de Piranesi; essa cidade afundando-se na catástrofe, que arde no quadro «As filhas de Loth», de Lucas Van Leyden, sobre o qual Artaud escreve com tanto fervor; ou os projectos urbanísticos de Leonardo da Vinci, ou a Veneza de Carpaccio, mais tarde de Canaletto e Guardi, ou a Toledo do Greco… 

O interesse dos pintores pela Cidade não corresponde apenas ao desenvolvimento das cidades europeias, sobretudo com o aparecimento das cidades livres – como as da Liga Hanseática, no Norte da Europa; tal interesse, por um momento contrariado, durante o período romântico, pelo súbito amor da paisagem natural e selvagem, reaparece de novo com os impressionistas; e se é verdade que o culto da paisagem, que conduziu a certas correntes do Naturalismo, anima um ramal da escola impressionista, o outro ramal é constituído por pintores «urbanos» que retratam Paris, dos grandes boulevards aos quintais da banlieue. Pissaro, Utrillo, Marquet; depois, a Torre Eiffel glorificada por Delaunay; Dufy; mais tarde (muito mais tarde) as tristes praças vazias de Buffet… quantas cidades, reais e inventadas, retratadas, cantadas, erguidas, sobrevoadas pelo pincel dos pintores.

(continua)


in ”Voz Visível” – Ensaios – 1971





sábado, 26 de setembro de 2020

BAUHAUS




BAUHAUS


Provavelmente a mais influente escola de design e arquitectura do século XX.

Foi fundada em Weimer, Alemanha, pelo arquitecto Walter Gropius; a escola pretendia misturar a tecnologia moderna com a arquitectura e as artes decorativas.

Os artistas de Bauhaus tentavam conceber projectos funcionais e bem feitos – dando continuidade a anteriores ideias do MOVIMENTO ARTES E OFÍCIOS – que pudessem ser produzidos industrialmente com êxito.

Em 1933, a escola foi fechada pelos nazis, mas as suas ideias continuaram a ter influência, especialmente nos Estados Unidos.






in “ Dicionário Essencial”




sexta-feira, 25 de setembro de 2020

O BARCO E O HOMEM LETRADO




O BARCO E O HOMEM LETRADO


Em dada ocasião, Nasrudin estava num barco com um homem letrado, quando o Mulá disse algo que contrariava as regras gramaticais:

- Você nunca estudou gramática? - perguntou o estudioso.
- Não, nunca! - respondeu Nasrudin.
- Nesse caso, metade de sua vida se perdeu - retrucou o outro.

Nasrudin ficou em silêncio durante algum tempo, para finalmente perguntar ao homem letrado:

- Você nunca aprendeu a nadar?
- Não, nunca - respondeu este.
- Então, nesse caso, toda a sua vida se perdeu. Estamos a afundar.
  




in “Parábolas e Contos de Nasrudin” – organizado por Alexander Rangel. 



quinta-feira, 24 de setembro de 2020

LADY GODIVA




LADY GODIVA


Heróica mulher nobre inglesa do século XI. Enquanto Godiva era virtuosa e caritativa, o marido – o conde Leofric de Mércia – era um tirano que impunha pesados impostos ao seu povo.

De acordo com a lenda, Leofric acedeu mudar o procedimento, se a sua pudica mulher atravessasse Coventry, nua e a cavalo, em dia de mercado. Ela aceitou o desafio.

Diz um relato que Godiva cobriu a nudez com a comprida cabeleira; uma versão posterior conta que o povo de Coventry ficou dentro de casa e que apenas um homem, mais tarde conhecido por Peeping Tom (Espreita), olhou para a rua e foi atacado de cegueira.





in “Dicionário do Conhecimento Essencial”
Imagem: Lady Godiva por John Collier




quarta-feira, 23 de setembro de 2020

ÓPERA - TOSCA




TOSCA

Ópera em três actos de Giacomo Puccini com libreto de Luigi Illica e Giuseppe Giacosa. Estreou no Teatro Costanzi de Roma, em 14 de Janeiro de 1900.

*

Passada em Roma na era napoleónica, esta obra épica e trágica relata a história de Tosca, uma grande cantora de ópera que está apaixonada pelo pintor Cavaradossi.

Este ajuda um revolucionário a fugir e é preso por Scarpia, o sádico chefe de polícia, que também deseja Tosca. A cantora concorda em ceder a Scarpia se ele poupar a vida do pintor.

Tosca logra apunhalar Scarpia, mas este, mesmo morto, é o último a rir.

Embora tivesse assegurado a Tosca que a execução de Cavaradossi seria simulada, ordenara ao pelotão de fuzilamento que usasse balas reais.

Traída, Tosca mata-se quando chegam os esbirros de Scarpia para a prender.




Fonte: “Óperas Imortais”






terça-feira, 22 de setembro de 2020

SHAKESPEARE - Macbeth



SHAKESPEARE
(Reino Unido, 1564 – 1616)
Poeta, dramaturgo

***

MACBETH

Tragédia de Shakespeare, datada de cerca de 1606 e baseada em acontecimentos históricos do século XI.

O nobre escocês Macbeth, encorajado pela sua ambiciosa mulher e pela profecia de três bruxas, mata o rei Duncan e usurpa-lhe o trono.

Para conquistar a posição que conquistou de forma traiçoeira, Macbeth toma medidas cada vez mais desesperadas e planeia assassinar o seu amigo Banquo e a família de Macduff, seu inimigo.

No final, Lady Macbeth enlouquece e morre e Macbeth é morto em batalha por Macduff.





Fonte: “Literatura”





segunda-feira, 21 de setembro de 2020

LEONARDO COIMBRA - Filósofo



 LEONARDO COIMBRA
(Borba de Godim, Portugal, 1883 - Porto, 1936)
Filósofo, professor

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Uma das mais lúcidas inteligências que fez do acto de pensar um momento de raro fulgor da história do pensamento português; o mais profundamente inquieto e genuíno dos espíritos agonais de toda a filosofia em Portugal, e um dos seus mais originais filósofos.

Foi igualmente matemático, brilhante tribuno, político republicano – mas não positivista – pedagogo, professor e Mestre de Mestres, já que no exercício do seu magistério filosófico teve como discípulos nomes da envergadura de Álvaro Ribeiro, Agostinho da Silva, José Marinho, Delfim Santos e Sant´Anna Dionísio, entre outros, referindo só os que mais se destacaram.

O pensamento leonardino é basicamente idealista. Um idealismo criacionista, como ele próprio o define e sistematiza – com expressa refeição do hegelianismo e de todas as formas extremas de idealismo; aliás, o título da sua primeira obra e mais importante obra, datada de 1912, é precisamente O Criacionismo.    




in “Filosofia II”







domingo, 20 de setembro de 2020

LIMA DE FREITAS – VIEIRA DA SILVA e os seres dos espelhos (VI)



LIMA DE FREITAS
(Setúbal, Portugal, 1927 — Lisboa, 1998)
Pintor, desenhador, escritor

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Lima de Freitas é considerado um “Artista Total”, com um importante percurso criativo e humanista na cultura portuguesa contemporânea: pintor, ilustrador, ensaísta e brilhante investigador. Foi membro fundador da CIRET em Paris, a partir de 1992 da Comissão Consultiva junto da UNESCO para a transciplinaridade. É autor de ensaios e livros sobre temas de semiótica visual, estética e simbologia, bem como de inúmeros escritos sobre arte.
Fonte: “Centro Português de Serigrafia” (excerto)

***

VIEIRA DA SILVA E OS SERES DOS ESPELHOS (VI)

(continuação)


Um dos eixos temáticos importantes da obra de Vieira da Silva é, sem dúvida, o da Cidade. Talvez nenhum outro pintor, vivo ou morto, tenha entendido tão intimamente, tão extraordinariamente, a dimensão fascinantes das grandes cidades, que tanto se pode exprimir de forma positiva como de forma negativa: ambivalência que é a regra dos grandes símbolos, antigos ou modernos.

Desde que deixou os azulejos, as vidraças coruscantes, as fachadas azul faiança da sua Lisboa de nascimento e de meninice, a pintora ganhou poderes supranormais de visão para surpreender a proliferação das ruas, das praças, dos cruzamentos, das avenidas, das pontes, dos desníveis, dos túneis, das passagens, dos becos… 

O espectáculo assim revelado assume o prestígio faustoso do feérico: fragmentação caleidoscópica, festa luminosa, princípio ou infância do olhar. Pode, porém, atingir, com a capacidade radioscópica que lhe é própria, o caroço sombrio da doença ou da destruição. Daí vem à sua pintura uma secreta vertigem, um murmúrio de angústia que aflora na ambiguidade ameaçadora do labirinto, na profusão desmesurada de Babel…   

(continua)


in ”Voz Visível” – Ensaios – 1971




sábado, 19 de setembro de 2020

NICOLAU TOLENTINO - Deitando um cavalo à margem



NICOLAU TOLENTINO
(Lisboa, Portugal, 1740 – 1811)
Poeta

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DEITANDO UM CAVALO À MARGEM

Vai, mísero cavalo lazarento,
Pastar longas campinas livremente;
Não percas tempo, enquanto to consente
De magros cães faminto ajuntamento.

Esta sela, teu único ornamento,
Para sinal de minha dor veemente,
De torto prego ficará pendente,
Despojo inútil do inconstante vento.

Morre em paz; que em havendo algum dinheiro
Hei-de mandar, em honra de teu nome,
Abrir em negra terra este letreiro:

— "Aqui, piedoso entulho os ossos come
Do mais fiel, mais rápido sendeiro,
Que fora eterno a não morrer de fome."







sexta-feira, 18 de setembro de 2020

WALLACE STEVENS - O Homem da Neve




WALLACE STEVENS
(Pensilvânia, EUA, 1879 – Hartford, 1955)
Dramaturgo, poeta modernista.

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O HOMEM DA NEVE

É preciso uma mente de inverno
Para olhar a geada e os ramos
Dos pinheiros cobertos pela nevada
E há muito tempo fazer frio
Para observar os zimbros arrepiados de gelo,
Os abetos ásperos no brilho distante
Do sol de Janeiro; e não pensar
Em qualquer miséria no som do vento,
No som de umas poucas folhas
Que é o som da terra
Cheia do mesmo vento
Que sopra no mesmo lugar vazio
Para alguém que escuta, escuta na neve,
E, ausente, observa
Nada que não está lá e o nada que é.



Tradução: Paulo Venâncio Filho






quinta-feira, 17 de setembro de 2020

PIERRE DE RONSARD - Maria, toca a erguer, ó minha preguiçosa



PIERRE DE RONSARD
(França, 1524 - 1585)
Poeta

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MARIA, TOCA A ERGUER, Ó MINHA PREGUIÇOSA

Maria, toca a erguer, ó minha preguiçosa,
já a gaia cotovia aos céus cantarolou
e já o rouxinol tão doce chilreou,
num ramo empoleirado, a sua voz saudosa.

Depressa, a pé, a ver perlada erva mimosa
e o belo roseiral que já botões deitou
e os cravos tenros ver que a vossa mão regou
ontem no entardecer, sonhando vagarosa.

Nos olhos ao deitar, ontem vos vi a jura
de mais cedo do que eu quererdes despertar:
mas dá o dormir d' alba às jovens formosura

e doce inda vos vem os olhos ensonar.
Pois, pois, beijos lhes dou e a tão bela maminha,
cem vezes a ensinar-vos a erguer de manhãzinha.




Tradução: Vasco Graça Moura




quarta-feira, 16 de setembro de 2020

LUIS BUÑUEL – Realizador de Cinema



LUIS BUÑUEL
(Espanha, 1900 - México, 1983)
Realizador de cinema

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Luis Buñuel nunca hesitou nas suas ideias e visão, estabelecendo-se como talvez o mais mordazmente cómico e subversivo de todos os grandes realizadores.
Como resultado de ter nascido numa família burguesa, com uma educação jesuíta, entrou na idade adulta com fervorosas ideias anticlasse média e anticlericais.
Os seus dois primeiros filmes, Um Cão Andaluz e L´Age d´Or, ambos feitos sob a influência do Manifesto Surrealista de André Breton, continham muitos temas – o catolicismo, a burguesia e a racionalidade – que iriam reaparecer em filmes posteriores.

Depois de Terra Sem Pão (1932) – um tenaz documentário acerca do contraste entre a pobreza dos camponeses e a riqueza da Igreja – ter sido banido na Espanha, Buñuel não fez mais filmes durante 15 anos.
Em 1947, mudou-se para o México e fez Los Olvidados (1950), um poderoso e objectivo retrato do mundo cruel dos delinquentes juvenis.

Viridiana (1961), o primeiro filme que fez na sua terra natal após 29 anos, uma comédia selvagem acerca da mentalidade e rituais católicos, foi banido na Espanha.

Outros filmes de Luis Buñuel: Robinson Crusoe, Monte dos Vendavais, O Anjo Exterminador, O Charme Discreto da Burguesia, Diário de Uma Crida de Quarto, A Bela de Dia.




in “Cinema – Realizadores”