Comemora-se hoje, 1 de
Julho, o Dia Mundial das Bibliotecas.
O
objectivo é alertar o mundo da importância das Bibliotecas, enquanto centros de
cultura e difusão do conhecimento.
Para
assinalar este acontecimento, publico excertos do conto “A Biblioteca de
Babel”, incluído no livro “Ficções”, do escritor argentino Jorge Luís Borges.
Neste
conto metafísico, Borges descreve o Universo como sendo constituído por uma Biblioteca
interminável, na qual existem todos os imagináveis livros.
Excertos do conto:
“O universo (a que outros chamam a Biblioteca) compõe-se de um número
indefinido, e talvez infinito, de galerias hexagonais, com vastos poços de
ventilação no meio, cercados por parapeitos baixíssimos. De qualquer hexágono
vêem-se os pisos inferiores e superiores: interminavelmente.
A distribuição das galerias é invariável. Vinte estantes, a cinco
longas estantes por lado, cobrem todos os lados menos dois; a sua altura, que é
a dos pisos, mal excede a de um bibliotecário normal.
Uma das faces livres dá para um estreito saguão, que vai desembocar
noutra galeria, idêntica à primeira e a todas. À esquerda e à direita do saguão
há dois gabinetes minúsculos. Um permite dormir de pé; o outro, satisfazer as
necessidades fecais. Por aí passa a escada em espiral, que se afunda e e eleva
a perder de vista.
No saguão há um espelho, que fielmente duplica as aparências. Os
homens costumam inferir desse espelho que a Bi-blioteca não é infinita (se o
fosse realmente, para que serviria esta duplicação ilusória?); eu prefiro
sonhar que as superfícies polidas representam e prometem o infinito... A luz provém de umas frutas esféricas que
têm o nome de lâmpadas. Há duas em cada hexágono: transversais. A luz que
emitem é insuficiente, incessante. (…)
(…) Há quinhentos anos, o chefe de um
hexágono superior deu com um livro tão confuso como os outros, mas que tinha
quase duas folhas de linhas homogéneas. Mostrou o seu achado a um decifrador
ambulante, que lhe disse que estavam redigidas em português; outros
disseram-lhe que era iídiche. Em menos de um século conseguiu-se estabelecer o
idioma: um dialecto samoiedo-lituano do guarani, com inflexões de árabe
clássico.
Também se decifrou o conteúdo: noções de
análise combinatória, ilustradas por exemplos de variações com repetição
ilimitada. Estes exemplos permitiram que um bibliotecário de génio descobrisse
a lei fundamental da Biblioteca.
Este pensador observou que todos os
livros, por muito diferentes que sejam, constam de elementos iguais: o espaço,
o ponto, a vírgula, as vinte e duas letras do alfabeto. Também acrescentou um
facto que todos os viajantes têm confirmado: “Não há, na vasta Biblioteca, dois
livros idênticos”.
Destas premissas incontroversas deduziu
que a Biblioteca é total e que as suas estantes registam todas as possíveis
combinações dos vinte e tal símbolos ortográficos (número, embora vastíssimo,
não infinito) ou seja, tudo o que nos é dado exprimir: em todos os idiomas.
Tudo: a história minuciosa do futuro, as
autobiografias dos arcanjos, o catálogo fiel da Biblioteca, milhares e milhares
de catálogos falsos, a demonstração da falácia desses catálogos, a demonstração
da falácia do catálogo verdadeiro, o evangelho gnóstico de Basilides, o
comentário desse evangelho, o comentário do comentário desse evangelho, o
relato verídico da tua morte, a versão de cada livro em todas as línguas, as
interpolações de cada livro em todos os livros, o tratado que Beda pode ter
escrito (e não escreveu) sobre a mitologia dos Saxões, os livros perdidos de
Tácito. (…)
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