segunda-feira, 30 de setembro de 2013

PEDRO TAMEN

                                      
 
 
                 Pedro Tamen nasceu em Lisboa, no dia 1 de Dezembro de 1934.
                      
                 Licenciou-se em Direito na Universidade de Lisboa.
                      
           Publicou o seu primeiro livro, em 1956, intitulado “Poema para Todos os Dias”.
                      
            Foi director- adjunto das revistas “Flama” e “Anteu”.
                      
            Tem colaboração em diversos jornais e revistas.

            É tradutor de vários escritores, como Gabriel Garcia Marquez, Gustave Flaubert, Breton e Marcel Proust.

             Em 1990, recebeu o “Grande Prémio da Tradução”. Além deste, ganhou: “Prémio D. Dinis”; “Grande Prémio da Crítica”; “Grande Prémio Inapa de Poesia”; “Prémio Bordalo Pinheiro da Imprensa”; “Prémio Literário do PEN Clube Português”, entre outros.

             Em 1999, foi publicado “Escrita Redita”, um disco-antologia com poemas ditos por Luís Lucas.


                            Noé


Pronto, pronto, eu faço. Dá um trabalhão
mas faço. Corto madeira, arranjo pregos,
gasto o martelo. E o pior também:
correr o mundo a recolher os bichos,
coisas de nada como formigas magras,
e os outros, os grandes, os que mordem
e rugem. E sei lá quantos são!
Em que assados me pões.
Tu gastaste seis dias, e eu nunca mais acabo.
Andar por esse mundo, a pé enxuto ainda,
a escolher os melhores, os de melhor saúde,
que o mundo que tu queres não há-de nascer torto.
Um por um, e por uma, é claro, é aos pares
- o espaço que isso ocupa.


Mas não é ser carpinteiro,
não é ser caminheiro,
não é ser marinheiro o que mais me inquieta.
Nem é poder esquecer
a pulga, o ornitorrinco.
O que mais me inquieta, Senhor,
é não ter a certeza,
ou mais ter a certeza de não valer a pena,
é partir já vencido para outro mundo igual.


Pedro Tamen, in “Analogia e Dedos”.

domingo, 29 de setembro de 2013

NATÉRCIA FREIRE



       NATÉRCIA FREIRE
(Benavente, Portugal, 1920 – Lisboa, 2004)

Poetisa  e professora

        
CANÇÃO DO VERDADEIRO ABANDONO

Podem todos rir de mim,
podem correr-me à pedrada,
podem espreitar-me à janela
e ter a porta fechada.


Com palavras de ilusão
não me convence ninguém.
Tudo o que guardo na mão
não tem vislumbres de além.


Não sou irmã das estrelas,
nem das pombas nem dos astros.
Tenho uma dor consciente
de bicho que sofre as pedras
e se desloca de rastos.



in “Obra Poética”


sábado, 28 de setembro de 2013

EPITÁFIO PARA UM CÃO



                                   Epitáfio para um cão
Perto daqui
estão depositados os despojos daquele
que possuía beleza sem vaidade,
força sem insolência,
coragem sem ferocidade,
e todas as virtudes do Homem sem seus vícios.
Este elogio, que seria uma adulação sem sentido
se escrito fosse sobre cinzas humanas,
é somente um justo tributo à memória de
Boatswain, um cão
que nasceu em Newfoundland em maio de 1803,
e morreu em Newstead, em 18 de novembro de 1808.
Quando um orgulhoso filho do Homem retorna à terra
desconhecido pela glória mas sustentado pelo berço,
a arte do escultor exaure a pompa do infortúnio,
e urnas ornadas registam aquele que descansa abaixo:
Quando tudo está terminado, sobre a tumba é visto
não o que ele foi, mas o que deveria ter sido.
Mas o pobre cão, na vida o mais fiel amigo,
o primeiro a dar boas vindas, na dianteira para defender,
cujo coração honesto é do próprio dono,
que trabalha, luta, vive, respira somente por ele
sem honra se vai, despercebido seu valor,
negada no Paraíso a alma que tinha na terra;
Enquanto o homem, fútil insecto! Tem a esperança de ser perdoado,
e reivindica para si só exclusividade no Paraíso!
Oh, homem! Frágil, breve inquilino
rebaixado pela escravidão, ou corrompido pelo poder,
quem te conhece bem, deve rejeitar-te com desgosto,
massa degradada de poeira viva!
Teu amor é luxúria, tua amizade inteira ilusão
tua língua hipocrisia, teu coração decepção.
Por natureza mau, dignificado apenas pelo nome,
cada irmão selvagem pode fazer-te corar de vergonha.
Vós! Que, por ventura, contemplais esta urna simples
ficais sabendo, não homenageia ninguém que desejais prantear,
para marcar os despojos de um amigo estas pedras se levantam;
Nunca conheci nenhum, excepto um único — e aqui ele descansa.
             Lord Byron - poeta britânico
 

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

LUÍS MIGUEL NAVA

 

           Luís Miguel Nava nasceu em Viseu, no dia 29 de Setembro de 1957. Viveu até 10 de Maio de 1995.

          Licenciou-se em Filologia Românica, na Faculdade de Letras de Lisboa.

          Foi Leitor de Português na Universidade de Oxford.

          A partir de 1986, passou a residir em Bruxelas. Desempenhou o cargo de tradutor do Conselho das Comunidades Europeias.

          Organizou a “Antologia de Poesia Portuguesa”, em português e francês, por ocasião da Europália.

          Publicou os seguintes livros de poesia: “Películas”; “A Inércia da Deserção”; “Como Alguém Disse”; “Rebentação”; “O Céu Sob as Entranhas” e “Vulcão”.

          Deliberou, por testamento, a criação de uma Fundação com o seu nome. Anualmente, é atribuído um prémio de poesia.

 
PAISAGEM CITADINA


A pele por fulgurantes
instantes muitas vezes abre-se até onde
seria impossível que exercesse
com tão grande rigor o seu domínio.


Não temos então dela senão rápidas
visões, onde os reclames
do coração se cruzam, solitários
e agrestes, reflectidos

por trás nos ossos empedrados.
Em certas posições vêem-se as cordas
do nosso espírito esticadas num terraço.

A roupa dói-me porque, embora
nos cubra a pele, é dentro
do espírito que estão os tecidos amarrados.
 

Luís Miguel Nava




 

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

DAVID MOURÃO FERREIRA

 
 

David Mourão Ferreira nasceu no dia 24 de Fevereiro de 1927. Viveu até 16 de Junho de 1996.

 
Licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras de Lisboa, onde foi professor.

 
Fundou a revista “Távola Redonda”. Colaborou na “Seara Nova”, “Graal”, “Vértice” e no “Diário Popular”.

 
Dirigiu o jornal “A Capital” e a revista “Coloquio/Letras” da Fundação Calouste Gulbenkian.

 
Como Secretário de Estado da Cultura, no período 1976-1978, criou a Companhia Nacional de Bailado.

 
Foi autor de alguns programas culturais na rádio e na RTP.

 
A partir de 1981, dirigiu o Serviço de Bibliotecas Itinerantes e Fixas da Fundação Calouste Gulbenkian.

A sua carreira literária iniciou-se em 1945, com a publicação de alguns poemas na revista “Seara Nova”.

 
David Mourão Ferreira foi poeta, romancista, crítico e ensaísta.       
 
A sua poesia tem a mulher e o amor como temas privilegiados do seu talento.

 
É, justamente, um dos grandes poetas do século XX.

 
Amália Rodrigues cantou alguns dos seus poemas, que ficaram na nossa memória: “Maria Lisboa”; “Fado Peniche”; “Nome de Rua”; “Sombra”, e o celebérrimo “Barco Negro”.

 
Ao longo da sua vida de escritor, recebeu inúmeros prémios e consagrações.

 
                 Ternura

Desvio dos teus ombros o lençol,
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do sol,
quando depois do sol não vem mais nada...

Olho a roupa no chão: que tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
onde uma tempestade sobreveio...

Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo...

Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!

David Mourão Ferreira, in “Infinito Pessoal”.

                  


quarta-feira, 25 de setembro de 2013

13 MANEIRAS DE OLHAR PARA UM MELRO

 

13 MANEIRAS DE OLHAR PARA UM MELRO
1
No meio de vinte montanhas nevadas
A única coisa que se mexia
Era o olho do melro
 
2
Eu via as coisas de três maneiras diferentes,
Como uma árvore
Onde há três melros.

 
3
O melro rodopiava ao sabor dos ventos de Outono.
Era uma pequena parte da pantomima.

4
Um homem e uma mulher
São um.
Um homem e uma mulher e um melro
São um.

5
Não sei qual prefiro,
A beleza das modulações de som
Ou a beleza das insinuações,
O melro a assobiar
Ou logo após.
6
Gotículas geladas cobriam a grande janela
De vidros toscos.
A sombra do melro
Cruzava-a, dum lado para o outro.
O estado de espírito
Desenhava na sombra
Uma causa indecifrável.

7
Ó homens esguios de Haddam
Por que pensais em pássaros dourados?
Não vedes como o melro
Caminha à volta dos pés
Das mulheres perto de vós?

8
Sei de sotaques notáveis
E ritmos lúcidos e inevitáveis;
Mas também sei
Que o melro está presente
Em tudo o que eu sei.

9
Quando o melro voou para fora do alcance da vista
Assinalou a orla
De um de muitos círculos.
10
Perante a visão de melros
Voando envolvidos numa luz verde,
Até os proxenetas da eufonia
Haviam de gritar com vivacidade.

11
Ele foi até Connecticut
Num coche de vidro.
Uma vez, foi tomado de pânico
Quando confundiu
A sombra da carruagem
Com melros.

12
O rio corre.
O melro deve andar a voar.
13
Anoitecia em cada instante da tarde.
Nevava
E ia continuar a nevar.
E o melro empoleirado
Nos ramos dos cedros.

 
 
Wallace Stevens, poeta norte-americano, in “Antologia de Poesia”.
Desenhos de Michael Spafford, publicados no Blog "Another Boucing Ball - Regina HacKett takes her Art to Go".
 

 

terça-feira, 24 de setembro de 2013

ANTÓNIO RAMOS ROSA

 
 
 

António Ramos Rosa nasceu em Faro, Portugal, no dia 17 de Outubro de 1924. Viveu até ontem, dia 23 de Setembro de 2013.

Poeta, ensaísta, tradutor, crítico literário, é considerado um dos grandes nomes da poesia contemporânea.

Em 1958, publicou o primeiro livro intitulado “ O Grito Claro”.

Foi fundador e co-director de algumas revistas literárias, tais como: “Árvore”; “Cadernos do Meio-dia”; “Cassiopeia”, além de colaborar em publicações espanholas, francesas e brasileiras.

A sua obra está traduzida em várias línguas.

António Ramos Rosa recebeu diversos prémios, dos quais se destacam: “Prémio Fernando Pessoa”, em 1988; “Prémio PEN Clube Português”; “Grande Prémio de Poesia”, atribuído pela Associação Portuguesa de Escritores”; “Prémio de Tradução”, da Fondation de Hautvilliers; “Prémio do Centro Português da Associação Internacional de Críticos Literários”; Poeta Europeu da Década”, atribuído pelo Collége de L'Europe, atribuído em 1991.

       
          Em 1997, foi agraciado com a “Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique”.

 
          Em homenagem ao poeta, foi dado o seu nome à Biblioteca Municipal de Faro, inaugurada no dia 23 de Abril de 2001.

            No início deste ano, António Ramos Rosa ofereceu o seu espólio à autarquia de Faro.

 

          Escrevo-te com o fogo e a água

 

Escrevo-te com o fogo e a água. Escrevo-te

no sossego feliz das folhas e das sombras.

Escrevo-te quando o saber é sabor, quando tudo é surpresa.

Vejo o rosto escuro da terra em confins indolentes.

Estou perto e estou longe num planeta imenso e verde.

 

O que procuro é um coração pequeno, um animal

perfeito e suave. Um fruto repousado,

uma forma que não nasceu, um torso ensanguentado,

uma pergunta que não ouvi no inanimado,

um arabesco talvez de mágica leveza.

 

Quem ignora o sulco entre a sombra e a espuma?

Apaga-se um planeta, acende-se uma árvore.

As colinas inclinam-se na embriaguez dos barcos.

O vento abriu-me os olhos, vi a folhagem do céu,

o grande sopro imóvel da primavera efémera.

 

 António Ramos Rosa, in “Antologia Poética”.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

JOSÉ GOMES FERREIRA

 
José Gomes Ferreira nasceu no Porto no dia 9 de Junho de 1900. Viveu até 8 de Fevereiro de 1985.
       
       Foi poeta e escritor. Pertenceu à geração do Novo Cancioneiro, expressando as suas influências neo-realistas
 
Estudou nos liceus Camões e Gil Vicente. Em 1924, formou-se em Direito.
       
         Foi cônsul na Noruega durante quatro anos.
        
       Colaborou nas revistas “Presença”, “Seara Nova”, “Descobrimento”, “Imagem”, “Ressurreição” e “Gazeta Musical e de Todas as Artes".
        
            Compôs o poema sinfónico “Idílio Rústico”.
 
         Foi condecorado com a “Ordem Militar de Santiago de Espada e Grau de Grande Oficial da Ordem da Liberdade”.
        
           Em 1981 recebeu a distinção de cidadão honorário de Odemira.
       
          Aquando do centenário do nascimento de José Gomes Ferreira, a Videoteca da Câmara Municipal de Lisboa produziu um documentário sobre a vida do poeta intitulado “Um Homem do Tamanho do Mundo”.
       
  
O Nosso Mundo é Este
 
 
O nosso mundo é este
Vil suado
Dos dedos dos homens
Sujos de morte.

Um mundo forrado
De pele de mãos
Com pedras roídas
das nossas sombras.

Um mundo lodoso
Do suor dos outros
E sangue nos ecos
Colado aos passos…

Um mundo tocado
Dos nossos olhos
A chorarem musgo
De lágrimas podres…

Um mundo de cárceres
Com grades de súplica
E o vento a soprar
Nos muros de gritos.

Um mundo de látegos
E vielas negras
Com braços de fome
A saírem das pedras…

O nosso mundo é este
Suado de morte
E não o das árvores
Floridas de música
A ignorarem
Que vão morrer.

E se soubessem, dariam flor?

Pois os homens sabem
E cantam e cantam
Com morte e suor.

O nosso mundo é este….

(Mas há-de ser outro.)
 
 
José Gomes Ferreira
 

domingo, 22 de setembro de 2013

JUAN RAMÓN JIMÉNEZ

 
          Juan Ramón Jiménez nasceu em Moguer, Huelva, Espanha, no dia 23 de Dezembro de 1881. Viveu até 29 de Maio de 1958.
        
          Poeta simbolista e romântico, foi influenciado na sua juventude pelo modernismo da poesia espanhola.
        
          Em 1936, quando começou a Guerra Civil Espanhola, exilou-se nos Estados Unidos, em Cuba e Porto Rico.
        
          Colaborou na revista madrilena “Vida Nueva”.
        
           Da obra de Juan Ramón Jiménez destacam-se os livros: “Ninfeas y Almas de Violeta”; “Platero y Yo”; “Animal de Fondo”; “Las Hojas Verdes”; “Eternidades”; “Piedra y Cielo”; “Poesia”; “Cântico” e “Antologias Poéticas”.
       
          Recebeu o Prémio Nobel de Literatura em 1956.
 
 
            A Viagem Definitiva
 
Ir-me-ei embora. E ficarão os pássaros
cantando.
E ficará o meu jardim com sua árvore verde
e o seu poço branco.

Todas as tardes o céu será azul e plácido,
e tocarão, corno esta tarde estão tocando,
os sinos do campanário.

Morrerão os que me amaram
e a aldeia se renovará todos os anos.
E longe do bulício distinto, surdo, raro
do domingo acabado,
da diligência das cinco, das sestas do banho,
no recanto secreto do meu jardim florido e caiado
meu espírito de hoje errará nostálgico...
E ir-me-ei embora, e serei outro, sem lar, sem árvore

verde, sem poço branco,
sem céu azul e plácido...
E os pássaros ficarão cantando.

Juan Ramón Jiménez