quinta-feira, 11 de junho de 2015

Onde Será a Terra Prometida?

 
 




Gustave Flaubert (Ruão, França, 1821 - Croisset, França, 1880).
É considerado um dos principais representantes do Realismo.
A sua principal obra foi o romance Madame Bovary.

 

Palavras de Gustave Flaubert:
“Eu estou a morrer, mas aquela puta da Madame Bovary viverá para sempre.”




Onde Será a Terra Prometida?

 
Triste época a nossa! Para que oceano correrá esta torrente de iniquidades? Para onde vamos nós, numa noite tão profunda? Os que querem tactear este mundo doente retiram-se depressa, aterrorizados com a corrupção que se agita nas suas entranhas.

Quando Roma se sentiu agonizar, tinha pelo menos uma esperança, entrevia por detrás da mortalha a Cruz radiosa, brilhando sobre a eternidade. Essa religião durou dois mil anos, mas agora começa a esgotar-se, já não basta, troçam dela; e as suas igrejas caem em ruínas, os seus cemitérios transbordam de mortos.

E nós, que religião teremos nós? Sermos tão velhos como somos, e caminharmos ainda no deserto, como os Hebreus que fugiam do Egipto.

Onde será a Terra prometida?

Tentámos tudo e renegámos tudo, sem esperança; e depois uma estranha ambição invadiu-nos a alma e a humanidade, há uma inquietação imensa que nos rói, há um vazio na nossa multidão; sentimos à nossa volta um frio de sepulcro.

A humanidade começou a mexer em máquinas, e ao ver o ouro que nelas brilhava, exclamou: «É Deus!» E come esse Deus.
Há - e é porque tudo acabou, adeus! adeus! - vinho antes da morte! Cada um se precipita para onde o seu instinto o impele, o mundo formiga como os insectos sobre um cadáver, os poetas passam sem terem tempo para esculpir os seus pensamentos, mal os lançam nas folhas, as folhas voam; tudo brilha e ecoa nesta mascarada, sob as suas realezas de um dia e os seus ceptros de cartão; o ouro rola, o vinho jorra, a devastidão fria ergue o vestido e bamboleia-se... horror! horror!

E depois, há sobre tudo isso um véu de que cada um tira a sua parte, para se esconder o mais possível.
Escárnio! horror! horror!

 

Gustave Flaubert, in “Memória de um Louco”
Imagem: pintura de John Bramlitt (Texas, EUA, 1971). Em 2001 perdeu a visão.



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